Faculdades abrem as portas para a terceira idade

ABMES • 16 de setembro de 2019

Instituições de ensino superior da capital do país prestam um rico serviço à terceira idade, oferecendo, gratuitamente, diversas atividades que beneficiam o corpo, a mente e as emoções. Capacitação para inclusão digital, atividade física, roda de conversa com apoio psicológico e alfabetização são apenas alguns exemplos de tarefas que estudantes de faculdades, centros universitários e universidades colocam em prática para proveito de idosos.

Conheça algumas das atividades promovidas no DF por instituições de ensino superior

Vários dos projetos são promovidos há bastante tempo, mas, nem sempre, são de amplo conhecimento da população que poderia aproveitar essa oferta. De acordo com Thiago Póvoa, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Distrito Federal (SBGG-DF), esse tipo de iniciativa é fundamental. “São serviços muito necessários. Do ponto de vista de quem envelhece, esse estímulo é muito importante”, avalia.

O professor Thalisson Lopes (de terno, em pé) em turmo de curso de inclusão digital para idosos do UDF: turma majoritariamente feminina.

O valor de iniciativas do tipo tem base em duas principais necessidades de todo ser humano, incluindo os idosos: a de manter a mente ativa, aprendendo, e a de socializar.“O cérebro é um órgão que, assim como os músculos, sofre atrofia, perde capacidades se não for muito usado”, destaca. Segundo o médico geriatra, que trabalha em instituições como Hospital Brasília e Hospital Sírio-Libanês, a convivência comunitária é ingrediente indispensável para a qualidade de vida dos idosos.

“Diversos estudos mostram que as pessoas com mais longevidade têm em comum a vida em comunidade”, diz. “O acesso a essa vivência pode se dar pela família, por instituições religiosas ou outras, até por projetos em grupo desenvolvidos em faculdades e universidades para promover saúde, ludicidade, atividade física, formação e disseminação de conhecimento”, comenta.

Thiago Póvoa, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do DF. Arquivo pessoal

Muitos idosos procuram serviços em instituições universitárias, mas a oferta é insuficiente para atender toda a demanda — na maioria dos casos, há lista de espera para as turmas. Além disso, há várias pessoas acima dos 60 anos que acabam por não procurar atividades que poderiam beneficiá-las. Thalisson Lopes, coordenador dos cursos de análise e desenvolvimento de sistemas, de jogos digitais e sistemas de informações do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), coordena projeto que, desde 2012, oferece curso de inclusão digital para idosos.

Ao longo do tempo, notou que uma parcela da população da terceira idade se isola e prefere não se engajar em atividades, mesmo tendo a chance. “Por exemplo, tem um casal que a senhora vem participar do curso quase todo semestre. E o marido, da mesma idade, leva a esposa para a aula e fica do lado de fora, sem fazer nada, esperando durante o tempo do curso”, relata. “Eu já tentei convencê-lo a participar e experimentar diversas vezes, sem sucesso”, completa.

Na avaliação do professor Thalisson, exemplos assim são mais comum entre os homens. “As nossas turmas são majoritariamente femininas. Acho que as mulheres são mais desinibidas de correr atrás do que querem, são mais determinadas e agitadas, têm um espírito de ‘vamos fazer acontecer’. A resistência a ter de aprender algo é o maior problema”, aponta.

O médico Thiago Póvoa reitera a importância da iniciativa do próprio idoso no sentido de se esforçar e permanecer ativo. “Sair da zona de conforto é mais complicado para o idoso. Mas exatamente sair da zona de conforto é uma ginástica cerebral”, compara. O envolvimento em cursos, grupos, hobbies e a busca por conhecimento, explica o geriatra, melhora as conexões cerebrais.

Ele avalia que alguns dos motivos para existir resistência na velhice a começar uma atividade ou retomar uma antiga é o preconceito. “Os próprios idosos têm a ideia de que ‘velhinho’ tem que ficar em casa, de que o lugar deles é no quarto, indo, no máximo, até a igreja. E é um preconceito recorrente”, destaca. Outro problema é a rejeição à velhice. “Tem muito velho que não gosta de velho. Esse é o ponto. O preconceito dificulta o acesso”, argumenta.

“Às vezes, até existe a oferta de serviços, mas essa oferta não encontra o público porque o público não se educou a pensar que está envelhecendo”, repara. “Isso acontece porque não estamos conscientes do nosso envelhecimento. Então, quando você diz que aquela pessoa está idosa, ela se sente afrontada”, ressalta. “Se você oferecer um curso para a terceira idade, ela não vai querer ir, como se não se enquadrasse”, observa.

Em 2060, a expectativa de vida média será de 81 anos no país. Fonte: IBGE

A recomendação é aceitar a própria idade
O aumento da longevidade humana é uma das maiores conquistas dos avanços científicos. A expectativa de vida do brasileiro é de 76 anos; enquanto a dos brasilienses é de 78 anos. E esses números só devem crescer à medida que o país se desenvolve e aumentam os cuidados com saúde e bem-estar.

Em 2060, os brasilienses viverão, em média, 82 anos. Fonte: IBGE

Apesar do aumento da expectativa de vida e do número de idosos no DF, Brasília tem muito a melhorar no sentido de se tornar, de fato, uma cidade adaptada e aberta à velhice. Essa é a avaliação do médico Thiago Póvoa. “A capital federal não foi especialmente pensada para o envelhecimento. Agora, isso está mudando. Mas a própria manutenção do Plano Piloto mostra como a acessibilidade está longe de ser realidade”, critica. “Ao caminhar pelas superquadras, é um desafio para o idoso não cair ou conseguir circular de cadeira de rodas.”

As diferentes faixas de idade da população ao longo do tempo em Brasília. Fonte: IBGE

Uma série de obstáculos atrapalham o caminhar e aumentam o risco de quedas. “Uma paciente minha caiu cinco vezes no mesmo local entre a 307 e a 308 Sul. A filha dela até apelidou o lugar de buraco da Benedita. E são quadras onde vivem centenas de idosos”, exemplifica. “Então, é preciso executar a manutenção de uma cidade nova que seja voltada para uma população que envelhece a passos largos”, aconselha.


A adaptação não deve ser apenas física. “A nossa educação tem que ser emergencialmente alterada para as pessoas aprenderam a melhor lidar com o idoso, em termos de respeito, de acessibilidade e de assistência”, aponta. “Apesar de ter algumas ofertas da comunidade aos idosos, não há mecanismos sistemáticos. Não foi colocada como política pública a questão de Brasília ser uma cidade amiga do idoso”, queixa-se.

As diferentes faixas de idade da população ao longo do tempo nacionalmente. Fonte: IBGE

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula que existam cerca de 30 milhões de idosos no país — equivalente a toda a população de nações como Angola e Gana. Em 2000, o montante de seniores no Brasil era de 14,5 milhões; e, em 1991, de 10,7 milhões. Em 2016, o Brasil tinha a quinta maior população idosa do mundo de acordo com o Ministério da Saúde. Em 2030, o montante de cidadãos acima dos 60 ultrapassará o de crianças e adolescentes de até 14 anos.

Em 2032, o Brasil será considerado um país envelhecido, termo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) usa para quando 14% da população tem mais de 65 anos. A estimativa é de que, daqui a 13 anos, 32,5 milhões dos mais de 226 milhões de brasileiros terão 65 anos ou mais. Em 2060, espera-se que haja 73 milhões de idosos no Brasil. A quantidade de pessoas na terceira idade avança a passos largos tanto aqui quanto no mundo.

As taxas de envelhecimento locais e nacionais. Fonte: IBGE

A OMS estima que, até 2050, os idosos chegarão a ser 2 bilhões de pessoas em todo o mundo, equivalente a um quinto da população mundial. Apesar de o avanço do envelhecimento no Brasil ser perceptível, o médico geriatra Thiago Póvoa observa que muita gente ainda se recusa a aceitar a quantidade de anos vividos. “Na verdade, o Brasil, e o DF especialmente, estão tardiamente tomando consciência do nível de envelhecimento da população”, afirma Thiago Póvoa.

“É preciso se preparar para o envelhecimento tanto do ponto de vista pessoal quanto da perspectiva da sociedade e das entidades. É necessário preparar nossas instituições para isso, adaptar órgãos públicos, empresas, universidades, academias e o comércio para a população idosa”, reforça. “O que é importante até para garantir maior desempenho econômico.” E as instituições de ensino da capital federal provam estar se preparando para isso pela quantidade de projetos voltados a idosos que criam.

Reflexões sobre o envelhecer

Ana Lúcia de Castro Teixeira, conhecida como Ana Castro, tem 63 anos, dois filhos e dois netos. A jornalista aposentada participa de projetos oferecidos pela Universidade de Brasília (UnB) a idosos e está atrás de mais atividades. Em áudio, ela faz reflexões sobre envelhecer e a vida após os 60 em Brasília. Confira:

Ana Castro (à direita) com os filhos gêmeos Pedro Martins e João Martins, 39 anos; e o neto Erak von Daudt Martins, 5 anos.

Os riscos do isolamento
De acordo com o IBGE, a depressão é um dos males emocionais que mais atinge os idosos: os brasileiros de 60 a 64 anos representam a faixa etária com maior proporção de pessoas acometidas pela doença (11,1%), entre os 11,2 milhões de brasileiros diagnosticados com depressão. Trata-se da parcela da população com maior índice do problema. A taxa de idosos deprimidos tem aumentado ao longo dos anos.

Envolvimento com atividades e convivência em grupos evita problemas de saúde mental, como a depressão. Arte: Thiago Fagundes/CB/D.A Press

O que reforça a importância de que a população pós 60 se engaje em atividades que permitam convívio social — caso das oferecidas por instituições de ensino. Nesses projetos e grupos, a interação, inclusive, não é somente com outros idosos, mas também com jovens, adultos e pessoas de todas as faixas etárias, pois quem organiza e ministra as atividades são estudantes, professores e profissionais.


O geriatra Thiago Póvoa analisa que o maior prejuízo aos idosos que se negam a participar de atividades do tipo é o isolamento social. “A pessoa acaba se distanciando, seja de familiares, seja de amigos. Ao não buscar o contato com outros, as pessoas deixam de ser amáveis, se isolam, se retraem e ficam sem estímulo”, pondera. “E isso abre portas para doenças como depressão, déficit de memória, mal de Alzheimer...”

Na avaliação do médico, para que os idosos passem a ser mais abertos, é importante que a sociedade se conscientize do valor deles. “Existe uma série de limitações que são inerentes ao estado clínico do idoso. Os velhinhos até dizem que quem inventou o conceito de ‘melhor idade’ é um canalha. A verdade é que, sim, existem restrições, mas o que a família, os amigos, o grupo social e a sociedade devem deixar claro é que ser velho é legal”, defende.

“Tem muita atividade legal que a gente pode fazer. E o estímulo da comunidade é fundamental para isso. É preciso ter uma comunidade que goste de receber o idoso.” Thiago Póvoa argumenta que essa boa recepção deve ser encontrada em todos os ambientes, das calçadas aos restaurantes, das igrejas às instituições de ensino. “Inclusive, no que diz respeito às universidades, elas precisam ser mais abertas ao saber da terceira idade. Eles têm muito o que passar, muito a dividir.”

O mercado de trabalho está começando a perceber isso e, hoje em dia, já há empresas que têm programas específicos para contratar profissionais mais seniores. “Eles carregam uma série de habilidades, como aceitação, resiliência, capacidade de lidar com pessoas, experiência de vida que são de grande valor”, defende Thiago Póvoa.

“A gente não deve partir do princípio de que a pessoa idosa está velha e não é apta a conviver sem dificuldades no nível social. Por estar idosa, ela carrega uma carga de informações e vivências que a aproxima das outras pessoas. Assim, a pessoa idosa deve ser o centro das atenções”, sugere.

Evento de geriatria e gerontologia

Em 1º de outubro, celebra-se nacionalmente o Dia do Idoso, e no mesmo mês, o Estatuto do Idoso completa 16 anos. Para marcar a data, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia promove o 10º Congresso Centro-Oeste de Geriatria e Gerontologia (Coger 2019) entre 19 e 21 de setembro. As atividades serão na Associação Médica de Brasília.

Conheça iniciativas de destaque
Professores, alunos e funcionários de diversas instituições de ensino do Distrito Federal voltaram seus olhos e seus cuidados para a terceira idade. Thalisson Lopes, professor do UDF, avalia que serviços oferecidos por instituições de ensino à velhice são mais do que necessários, até essenciais, e a oferta deve aumentar.

“Daqui a 20 anos, mais ou menos um quarto de Brasília vai ser idoso. Então, sempre brincamos que mantemos projetos para os idosos e queremos que isso continue até porque, daqui um tempo, vai ser para nós mesmos”, diz Thalissn Lopes, professor do UDF.

“É um trabalho que precisa ter continuidade e que precisa ser mais divulgado para que os idosos tenham acesso a mais conhecimento e até aos direitos deles”, defende. A educadora física Juliana Nunes de Almeida Costa, mestra na mesma área e doutora em ciências da saúde, dá aulas para idosos em circuito de equilíbrio que visa a prevenção de quedas na UnB.

Para ela, esse tipo de iniciativa “não é só importante: é fundamental”. Juliana defende que universidades, faculdades e instituições que se debruçam sobre a literatura científica passam maior credibilidade.

“Os idosos chegam aqui com outro olhar. Dizem: ‘ah, estou treinando na UnB’. Aqui é um grande laboratório e nós temos a responsabilidade de passar o mais atual e o mais relevante para eles. Por isso, eles nos escutam”, observa a educadora física Juliana Nunes de Almeida Costa.

Durante as atividades físicas, Juliana faz questão de explicar aos alunos o porquê de cada movimento. Esse tipo de explicação baseada na ciência é muito mais facilmente encontrada no ambiente acadêmico do que seria numa academia de musculação, por exemplo.

“Quanto mais educação você passa, mais responsáveis por eles mesmos os idosos se sentem. Eles são convencidos tecnicamente e cientificamente da importância daquilo.” A professora de psicologia do Centro Universitário Iesb Hannya Herrera detecta que o impacto de projetos universitários vai além dos muros das instituições de ensino.

“Podem pensar, poxa, são 40 pessoas por semestre. Podem pensar que é pouco numa comunidade tão grande quanto Ceilândia, onde atuamos. Mas o impacto vai além, pois uma iniciativa dessas impacta não só o idoso, mas também as famílias, os vizinhos, os amigos dele”, elenca.

“A mudança de atitude e de pensar dos idosos faz com que eles possam passar isso para outras pessoas.” Ela reconhece o valor e a necessidade de que mais projetos voltados à terceira idade sejam implementados.

“É a realidade do Brasil agora. Cada vez mais, temos mais idosos e menos jovens. E a maioria das coisas que a gente vê, em qualquer lugar, são para adultos, crianças ou adolescentes, mas quase não há adaptação para idosos”, diz Hannya Herrera, professora de psicologia do Iesb.

Notícia publicada no site ABMES, em 10/09/2019, no endereço eletrônico: shorturl.at/bkwVZ


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