Inep investiga faculdades particulares suspeitas de fraudar o Enade no Mato Grosso

G1 • 17 de junho de 2019

Três faculdades particulares do estado do Mato Grosso são investigadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) por suspeitas de participarem de um esquema que fraudava o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade).

Segundo reportagem do Fantástico do domingo (16), as instituições antecipavam a formatura de estudantes que tiravam notas baixas para que não participassem do exame.

O objetivo do Enade é avaliar as instituições de ensino. Ele substituiu o chamado Provão, em 2004.

As instituições investigadas são a Faculdade Cuiabá, a Faculdade Cândido Rondon e a Faculdade Desembargador Sávio Brandão. Todas elas são dirigidas por Maria Aparecida Enes Andrade.

Gravações revelam o esquema

Em gravações de reuniões da diretora com professores, obtidas pelo Fantástico, ela diz: "Vocês têm que parar tudo e só intensificar Enade." Em outro trecho, ela acrescenta: "Do jeito que nós estamos, a gente nunca vai sair de protocolo de risco."

Protocolo de risco é a série de sanções aplicadas pelo MEC a faculdades que se saem mal no Enade. Em 2015, as três faculdades em questão tiveram notas baixas - 1 ou 2, quando o máximo é 5. A última aplicação do Enade foi em 2018.

A repetição do mal resultado poderia levar à primeira sanção: diminuir o número de alunos nas faculdades. A reunião foi um mês antes do exame.

"Nós vamos ter que colocar goela abaixo. Porque senão o meu Enade vai ser zero", diz Maria Aparecia Enes Andrade.

A maior parte da nota do Enade (55%) sai de uma prova que é feita por estudantes veteranos, ou seja, que já tenham cumprido pelo menos 80% do curso. A direção da faculdade deu um jeito para garantir que só os bons alunos fizessem o Enade.

Antecipação da formatura

As faculdades apressaram a formatura dos estudantes considerados mais fracos, que poderiam derrubar a nota média da turma. Alguns desses estavam em uma formatura realizada antes do Enade.

Um professor que trabalhou nas escolas, e que pediu para não ser identificado, contou: "A ordem que foi dada era a seguinte: para os alunos que são ruins, se antecipa a formatura deles, fazendo com que eles ganhem notas."

Em outras palavras, o aluno era aprovado e obtinha o diploma mesmo sem completar toda a carga horária do curso.

A repetição de maus resultados pode levar até ao fechamento de uma faculdade.

Denúncia

Há outras duas avaliações que compõem a nota de uma faculdade. Uma delas é o "Questionário do Estudante", preenchido pelos alunos, com informações sobre a instituição. Ele pode ser preenchido de qualquer lugar com acesso à internet. Mas os professores obrigavam os alunos a fazerem isso nos computadores da faculdade, para controlar as respostas dadas.

"Antes de o aluno enviar tem que ter um auditor olhando as respostas e chancelando para o aluno ir embora", afirma a diretora Maria Aparecida nas reuniões gravadas. "Essa coisa de liberdade não existe. Ela é entre aspas."

Por telefone, estudantes confirmaram a fraude. "Indiretamente, houve uma indução", diz um deles.

Por causa disso, um estudante de Administração fez uma denúncia anônima na página do Inep, responsável pelo Enade. Segundo a denúncia, a faculdade ameaçou reprovar alunos que se negassem a participar da fraude.

De acordo com o presidente do Inep, Alexandre Lopes, já foi iniciado um processo de investigação. "Já enviamos questionário à instituição de ensino, já recebemos, estamos fazendo agora a apuração interna e assim que concluirmos encaminharemos ao Ministério da Educação", afirma.

Outras fraudes

A outra forma de avaliação das faculdades é uma vistoria feita pelos profissionais do Inep, que visitam a instituição para analisar a estrutura, como laboratórios, bibliotecas e salas de aula.

Nas três faculdades em questão isso também era fraudado. Segundo as fontes da denúncia, eram disponibilizados sofás, frigobar, televisão, livros, computadores e sala interativa somente para essa inspeção. "De repente tinha tudo ido embora e não tinha mais nada", diz uma delas.

A gravação indica também que as faculdades interromperam as aulas da graduação para dar um curso preparatório para o Enade.

"A ordem é para parar tudo. Não dar nenhum conteúdo. Só trabalha Enade", diz a diretora, na gravação. "Isso aqui é uma empresa, gera lucro", afirmou Maria Aparecida. "Eu não tô para perder mais, só tô para ganhar."

De acordo com o presidente do Inep, essa atividade preparatória para o Enade não pode substituir a grade curricular normal das escolas.

Os professores dispensaram os estudantes da entrega de trabalhos curriculares e estágios. E a nota do Enade foi transferida para o boletim. "Eu fazia seis matérias e deixei de fazer seis provas. Fiquei com o boletim todo OK com a nota do Enade", revela uma das estudantes.

Evandro Echeverría, então diretor acadêmico de uma das faculdades, também fala nas gravações: "Prova, esquece tudo. Se topar o Enade, nós esquecemos tudo."

Às acusações, ele respondeu, em nota, que não trabalha mais nas faculdades e que, por isso, prefere não se manifestar.

Os advogados da diretora Maria Aparecida negaram "qualquer alteração artificial nas avaliações". Eles também disseram que não são condizentes as informações sobre interrupção do currículo e antecipação de formaturas.

A gravação foi analisada por um perito forense, Pablo Ferraz, que garantiu a identificação positiva para esses áudios.

Para a pró-reitora da Universidade Federal de Mato Grosso, Liziane Pereira de Jesus, o estrago já foi feito, mesmo que bons alunos tenham saído das três faculdades. "Perde o aluno que escolheu o curso utilizando um critério errado, perde a universidade, que não está oferecendo um produto de qualidade, pois foi manipulado o resultado. A sociedade perde também", diz.

Noticia publicada no site G1 GLOBO em 17/06/2019, no endereço eletrônico: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/06/17/inep-investiga-faculdades-particulares-suspeitas-de-fraudar-o-enade-no-mato-grosso.ghtml


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