A legitimidade do MEC num governo que ataca o conhecimento

FOLHA • 24 de julho de 2019

Ciência, confiança e cooperação são conceitos em falta no governo federal

Uma linha dos economistas encontra um ala dos cientistas políticos na esquina da “confiança” no dicionário. Para um país avançar, ambos avaliam, as instituições precisam ser respeitadas. Afinal, elas encarnam as regras pactuadas pela sociedade, refletem as soluções encontradas coletivamente e mostram a visão que as pessoas têm do Estado em que vivem. Parafraseando Nelson Rodrigues, sem confiança não se constrói nem uma reunião de condomínio.

Para erguer essa solidez institucional, há um alicerce pioneiro (e paro por aqui com as metáforas da construção civil). É preciso acreditar que as pessoas agem com a melhor das intenções nas relações entre si e com as organizações comuns, incluindo as do Estado e da sociedade civil. Mesmo tendo visões de mundo diferentes entre si, todos precisamos acreditar que o presidente, o guarda da esquina, o vizinho, cada um de nós age de boa fé e respeita as regras do jogo.

Quando essa confiança se quebra, algumas coisas acontecem. Se o país consegue manter algum grau de funcionalidade, a burocracia aumenta significativamente (isso lembra algum país tomado por cartórios e assinaturas com firma reconhecida?). As pessoas começam a escolher que regras seguir. Algumas pessoas acham que as regras não se aplicam a si. A deterioração institucional cresce.

E, a partir daí, há um labirinto de caminhos possíveis, embora todos cheguem à mesma saída: alguma forma de caos. A Argentina viveu isso de tal forma que nem a moeda, essa grande confiança em forma de papel, é mais crível por lá (eles terceirizaram a fé para o dólar).

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), nas suas competências gerais, aposta muito na construção de confiança. Como explicamos na Nova Escola, o documento tem um capítulo que foi resumido, por muitos especialistas, como “educação para a vida”. É a seção em que a Base fala, por exemplo, que as nossas escolas devem incentivar a autonomia das pessoas, a cooperação entre os indivíduos e a empatia com os nossos colegas. Se a escola é uma das instituições-chave de qualquer país, então ela deve contribuir para que as pessoas confiem umas nas outras e construam instituições que levem o Brasil adiante.

Infelizmente, tanto o presidente Jair Bolsonaro (PSL) quanto o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não estão muito familiarizados com o documento. E, parecem, não levam a construção de confiança a sério.

É inútil listar todas as declarações do presidente e todas as ironias do ministro da Educação. A essa altura do campeonato, com a onipresença das redes sociais, estamos saturados. Porém, independente do conteúdo, o resultado é um só. O presidente e seu auxiliar para assuntos educacionais estão mais preocupados em construir solidez política entre seus apoiadores do que instituições relevantes para o país.

Recentemente, o
MEC lançou um programa para a educação básica que alardeava como investimento o que era tão somente a retomada de programas essenciais. Eles tinham ficado parados na balbúrdia administrativa dos seis primeiros meses de governo. Além disso, as medidas traziam a obsessão do governo por escolas militares, mas não listavam medidas essenciais para a alfabetização, uma das áreas que costumava ser prioritária apenas alguns meses atrás. Que diretor de escola vai ficar seguro nesse contexto? E que secretário de educação vai se filiar a um programa que pode mudar ao sabor do vento?

Pouco tempo depois, o governo trouxe um programa para o ensino superior. O ministro prometeu mais autonomia e disse que não haveria intervenção. Sabendo da relação do presidente Bolsonaro com as universidades, é difícil acreditar. Afinal, foi a mesma semana dos ataques às pesquisas sobre desmatamento da Amazônia e das ameaças de filtro ideológico na produção de cinema. Bolsonaro é muito coerente. Ele ataca com força tudo o que o desagrada, sem exceção. Por que com as universidades seria diferente?

Antes do governo Bolsonaro, é verdade, o Brasil já tinha sérios problemas de confiança institucional. Isso não começou com ele. Mas eu não me lembro de um governo que tenha apostado tanto na desconfiança e no esfacelamento público como método de governo. Numa área tão sensível quanto a educação, feita por e para seres humanos, os resultados são imprevisíveis.

Afinal, qual a legitimidade que o MEC tem para liderar a construção de políticas públicas nacionais se o presidente ataca o conhecimento científico e o ministro, qualquer pessoa que discorde dele? Como o MEC pode dizer “venham comigo nesta frente” se as prioridades mudam a cada três meses? Hoje, a única força do MEC é o orçamento. E, quanto mais ele corte, mais fraco o próprio ministério fica. Afinal, os secretários de educação não vão ficar esperando o nada virar alguma coisa…

Noticia publicada no site FOLHA, em 24/07/2019, no endereço eletrônico: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/novaescola/2019/07/a-legitimidade-do-mec-num-governo-que-ataca-o-conhecimento.shtml


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