A expansão do ensino a distância. E seu impacto na Educação

NEXO • 16 de outubro de 2019

A expansão do ensino à distância no Brasil, que vem ocorrendo desde 2004, acentuou-se em 2018, segundo dados do Censo do Ensino Superior. Pela primeira vez no país, de acordo com o levantamento divulgado em setembro de 2019 pelo Ministério da Educação, foram oferecidas aos estudantes naquele ano mais vagas em cursos de graduação na modalidade a distância que na presencial.

O efeito se deve a um decreto assinado em 2017 pelo então presidente Michel Temer (MDB), que afrouxou os critérios para abertura de novos cursos. O avanço do ensino a distância preocupa pesquisadores da educação devido ao baixo desempenho dos cursos dessa modalidade.

O Cenário em 2018

Em 2018, foram abertas 7,1 milhões de vagas a distância, contra 6,3 milhões em cursos presenciais.

Para se ter uma ideia do aumento, um ano antes eram oferecidas 4,7 milhões de vagas na graduação a distância. Em todo o Brasil, o número de cursos nessa modalidade pulou de 2.018 em 2017, para 3.177 em 2018.

  • 50,7%

Foi o crescimento no número de cursos de graduação à distância no país entre 2017 e 2018.

  • 28%

Foi o aumento na quantidade de alunos que ingressaram em curso de graduação a distância em 2018 em relação ao ano anterior.

A expansão de vagas não significou o preenchimento de todas elas. Ainda assim, houve aumento no número de matrículas. Em 2018 foram registradas 1,3 milhão de inscrições em cursos a distância, o que representou 40% de todos os ingressantes na graduação naquele ano (contra 33,2% em 2017). Foram 2 milhões de alunos matriculados em cursos presenciais em 2018, 4% a menos do que o ano anterior.

O decreto de Temer

Desde 2017, instituições privadas de ensino superior podem atuar exclusivamente com educação a distância. A decisão tomada pelo ex-presidente permitiu que elas pudessem se credenciar para oferecer cursos de graduação e de pós-graduação lato sensu (especializações e MBAs) na modalidade sem que precisassem, simultaneamente, oferecer algum curso presencial. Até então, essa era uma exigência do MEC.

O governo também flexibilizou a abertura de polos de ensino. Anteriormente, o MEC precisava visitar cada um deles, o que tornava o processo lento. Depois do decreto, o Ministério passou a fazer a avaliação dos cursos apenas na sede da instituição que os oferecia.

A expansão do setor privado

Das 7,1 milhões de vagas de graduação a distância abertas em 2018, 7 milhões foram no setor privado e apenas 113 mil no público. De 1,3 milhão de inscrições na modalidade naquele ano, 95% eram em instituições privadas de ensino. O Censo do Ensino Superior revelou ainda uma concentração em apenas cinco grupos empresariais privados, que têm mais de 50% dos alunos.

  • 23,4%

Dos matriculados na graduação a distância em 2018 cursam pedagogia, o mais procurado na modalidade.

  • 11,4%

Fazem administração de empresas, o segundo curso na modalidade a distância com mais inscritos

0 que atrai os estudantes no ensino a distância:

- As mensalidades são mais baixas

- Os alunos conseguem conciliar com o trabalho

- Cursos são oferecidos em locais distantes

A defesa do modelo

Educadores costumam ressaltar a capacidade de inclusão de ensino a distância. Ao Jornal Folha de São Paulo a conselheira da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) Josiane Tonelotto afirmou que a modalidade “vai incluir o aluno que não estaria no ensino superior e encontra a chance de estudar”.

O especialista em ensino a distância João Vianney afirmou ao jornal o Globo que a explicação para o avanço da modalidade está na crise econômica. “Os cursos de EAD são em média 70% mais baratos que os da educação presencial. Num país com economia estagnada, a opção da população é pela mensalidade mais barata. Além disso, a EAD leva o acesso a uma ampla gama de cursos em cidades pequenas e médias”, disse.

Ao mesmo jornal, o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier, afirmou que o crescimento da modalidade mantém o equilíbrio econômico das instituições de ensino. “Acredito que estamos caminhando para uma educação com a combinação do presencial e EAD. É uma realidade que veio para ficar e para qual as particulares vão precisar se adaptar”, afirmou.

Os problemas da modalidade

Os cursos de graduação a distância obtiveram notas piores do que os presenciais no ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) de 2018, que dá notas de 1 a 5, do pior ao melhor.

Apenas 2,4% dos cursos a distância conquistaram a melhor nota (5) no exame, enquanto 6,1% dos cursos a distância obtiveram 1. A proporção de cursos presenciais com essa mesma pontuação ficou em 4,9%.

A evasão nos cursos a distância também é maior. Em 2018, 36,5% dos estudantes desistiram, enquanto a taxa ficou em 26,5% nos presenciais.

Uma visão sobre o tema

O Nexo conversou com o professor titular da Faculdade de Educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Nelson de Luca Pretto sobre as implicações da expansão do modelo.

Quais as consequências do avanço da educação a distância?

Nelson de Luca Pretto – A educação a distância em si é algo muito importante e precisa ser tomada com muito carinho. É uma grande possibilidade de formação num país enorme como o nosso e com possibilidade de, efetivamente, transformar o processo de formação em algo mais rico. O problema, como em todo sistema educacional, é que muitas dessas soluções adotadas, seja na educação a distância ou na presencial, não respeitam qualidades mínimas de educação. Quando se observa o grande crescimento desses grupos empresariais que estão tomando conta da Educação Superior e do Ensino Básico privado, a gente tem um problema sério. A educação não pode ser tratada como mercadoria. Essa lógica de mercantilização da educação tomou conta do sistema presencial e do sistema a distância. E começa a aparecer problema de toda natureza. Uma educação a distância que em muitos casos se transforma em mero treinamento para determinadas habilidades e também uma ausência de formação crítica, desconfiada, de um cidadão.

A falta de formação crítica tem a ver com o modelo a distância?

Nelson de Luca Pretto – não, automaticamente, não. A questão central é que isso pode se dar tanto presencialmente quanto a distância. O que precisamos no a distância é impor um pouco de mais cuidado. Se no presencial, que tem essa relação mais próxima entre professor, aluno e coletivo, já é difícil de ver se isso acontece, a distância, em que muitas vezes o estudante fica abandonado do outro lado, a coisa fica mais complicada. O que termina acontecendo é que se constitui uma desresponsabilização do Estado com a formação. Se chega como estudante numa universidade, vai encontrar uma rede de computadores, bibliotecas, espaço para se encontrar com colegas e professores e tudo isso, na educação a distância, é transferido para o usuário. Por isso que é importante a ideia dos polos fortalecidos, que correspondam a presença simbólica e real da universidade naquela região.

Em quais casos o ensino a distância pode ser explorado da melhor forma?

Nelson de Luca Pretto – Em formação profissional a educação à distância é possível, viável e interessante. Mas se pensamos em graduação para o campo da formação de professores, com números altos no ensino a distância (os cursos de pedagogia são os mais procurados na modalidade), precisamos de professores que tenham capacidade de interagir em todos os campos, formação universitária, vivência num espaço de ensino, extensão e pesquisa. É importante que sejam cursos consolidados dentro da universidade que considere isso um tripé fundamental da sua existência.

Notícia publicada no site NEXO, em 15/10/2019, no endereço eletrônico: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/10/15/A-expans%C3%A3o-do-ensino-a-dist%C3%A2ncia.-E-seu-impacto-na-educa%C3%A7%C3%A3o


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