A universidade para todos

O GLOBO • 05 de fevereiro de 2019

Por Antônio Góis

“Os primeiros anos do ensino fundamental preparam para o ensino médio. O ensino médio prepara para o vestibular. O vestibular prepara para a universidade. E a universidade prepara para o desemprego.” A declaração é do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, aos repórteres Gabriel Castro e Maria Clara Vieira, em entrevista publicada pela revista Veja. Foi dada num contexto em que ele tentava explicar outra frase sua – esta ao repórter Hugo Passarelli no Valor Econômico -, defendendo que a “ideia de universidade para todos não existe”. Como o MEC ainda não apresentou claramente quais são suas políticas para a educação básica e o ensino superior, fica difícil analisar apenas por essas declarações o que será feito na prática. Mas seria positivo se o ministro ao menos demonstrasse evidências sobre o que fala.

No caso das declarações sobre o ensino superior, uma boa fonte é o relatório Education at a Glance (Um Olhar sobre a Educação), publicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Se a ideia de que “universidade para todos não existe” significa que seja inviável pôr 100% dos jovens no ensino superior, daí os dados da OCDE confirmam a tese do ministro. Na população de 25 a 34 anos, nenhum país conseguiu atingir essa meta. Os que chegam mais próximo disso são Coreia do Sul (70%), Canadá (61%) e Japão (60%). Mas, se a fala do ministro sinaliza menosprezo à ideia de que precisamos expandir o ensino superior, então temos um problema grave. No Brasil, na mesma faixa etária, apenas 17% dos jovens completaram o ensino superior. A média da OCDE é de 44% e, com exceção da Itália (27%), não há nenhum país rico no relatório com indicadores abaixo de 30%.


Percentual de adultos de 25 a 34 anos com ensino superior completo | OCDE/Education at a Glance

A procura dos jovens pelo ensino superior não é fruto apenas de uma “tara da garotada” pelo diploma, para usar uma frase de Bolsonaro na campanha. É, também, uma escolha bastante racional. Como demonstram as estatísticas da OCDE (compiladas do MEC e do IBGE), o desemprego entre os que têm nível superior é quase metade (6,5%) do verificado entre aqueles que ficaram apenas no médio (11%). Em sua entrevista ao Valor, Veléz disse que “não faz sentido um advogado estudar anos para virar motorista de Uber”. Tem toda a razão quando fala de um caso particular, só que as estatísticas mostram que, na média, isso é muito mais exceção do que regra.

Na verdade, ocorre justamente o contrário: os retornos de um diploma de nível superior no Brasil são os mais elevados entre todos os países comparados pela OCDE. Aqui, adultos graduados recebem, em média, 149% a mais do que os que pararam no médio. No total da OCDE, essa diferença é de apenas 54%. E a explicação para isso não está na qualidade de nosso sistema educacional (antes fosse), mas justamente no fato de ainda serem poucos no Brasil os que conseguem obter um diploma.


Brasil tem maiores taxas de retorno de diploma de nível superior | OCDE/Education at a Glance

Entre as plataformas de Bolsonaro para a educação estava uma maior valorização do ensino técnico. Os dados do “Education at a Glance” confirmam essa necessidade, pois apenas 4% dos jovens de 15 a 24 anos no país frequentam cursos técnicos ou vocacionais, ante uma proporção de 18% na média da OCDE. E temos também, como sabemos, um problema sério no ensino médio, pois mais de um terço dos jovens de 25 a 34 anos sequer concluíram essa etapa (isso sem falar em qualidade).


Percentual de pessoas de 25 a 34 anos sem ensino médio completo | OCDE/Education at a Glance

Se o Brasil pudesse voltar um século no tempo, poderíamos nos dar ao luxo de optar primeiro pela universalização com qualidade da educação básica, para depois pensar na expansão do ensino técnico ou superior. Hoje, não temos mais essa escolha.

Notícia publicada no O GLOBO de 04/02/2019, às 04h30, no endereço eletrônico https://blogs.oglobo.globo.com/antonio-gois/post/universidade-para-todos.html


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