Auditoria da CGU aponta suspeita de despesas indevidas em 2,7% dos gastos com 'cartão pesquisa'

G1 • 29 de maio de 2019

Do R$ 1,4 bi utilizado entre 2013 e 2018 para bancar despesas de pesquisas, há suspeita de que R$ 40 milhões estão fora das regras. CNPq disse que confia na seriedade dos pesquisadores.

Auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) que analisou mais de R$ 1,443 bilhão em gastos de pesquisadores por meio dos chamados "cartões pesquisa" identificou suspeitas de irregularidades em 2,7% dos recursos destinados, entre 2013 e 2018, ao pagamento de material de consumo ou serviços destinados à pesquisa científica. Os cartões de crédito são emitidos pelo Banco do Brasil.

Criado em 2009, o cartão pesquisa tem como objetivo facilitar as compras dos pesquisadores e o controle dessas compras. É uma modalidade de cartão de crédito que o governo dá ao pesquisador habilitado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) para participação nas chamadas públicas para pesquisas em temas específicos.

O cartão pode ser usado para aquisição de material e equipamentos necessários para as pesquisas, com valores até o limite previsto nos editais, e funciona como um cartão de crédito convencional. Permite até mesmo saques – inclusive no exterior – e compras pela internet.

Do total empregado pelo CNPq nos cartões pesquisa nos últimos seis anos, os auditores apontaram indícios de gastos "potencialmente não-elegíveis" em R$ 40 milhões. Ou seja, de acordo com as regras de uso daqueles recursos, provavelmente esses gastos não poderiam ter sido realizados.

No entanto, os auditores ressaltam na auditoria que os apontamentos de gastos suspeitos "não implicam pré-julgamento", devendo ainda ser analisadas as justificativas dos pesquisadores para os supostos gastos fora das regras.

Entre as despesas apontadas pela CGU como potencialmente em desacordo com as regras do programa do CNPq há cerca de R$ 600 em uma churrascaria, pagamento de R$ 271 em uma casa de samba do Rio de Janeiro, cerca de R$ 4 mil em uma loja de sapatos e mais de R$ 10 mil em um site britânico de produtos profissionais para manicures.

Saques em espécie

A recomendação para os pesquisadores é de que os cartões sejam utilizados na função crédito, em que os dados da compra são enviados pelo Banco do Brasil (que administra o cartão) em detalhes para o CNPq.

Na prática, no entanto, quase metade das despesas feitas nos últimos três anos ocorreram por meio de saques em espécie, somando R$ 664,9 milhões, informou a CGU. Saques de dinheiro em espécie, pagamentos de títulos, boletos e transferências somam mais de 80% das despesas feitas com os cartões nos últimos seis anos, correspondente a cerca de R$ 1,15 bilhão.

De acordo com a CGU, as despesas feitas após saques em espécie tornam a fiscalização mais difícil porque o CNPq precisa analisar visualmente as notas fiscais apresentadas pelos pesquisadores, no momento em que as prestações de contas finais são checadas. Como o órgão tem um corpo reduzido de servidores dedicados a essa fiscalização, os processos vêm se acumulando, destacou a Controladoria-Geral da União.

"A ferramenta do cartão pesquisa é uma ferramenta que privilegia o uso do cartão na modalidade crédito. O que nós identificamos foi uma quantidade de utilização do uso do cartão em outras modalidades que dificultam a melhor prática de transparência. O fato principal é que elas não identificam quem de fato foi o recebedor final daquele recurso", ponderou o diretor de Auditoria de Políticas de Infraestrutura da CGU, Daniel Caldeira.

No relatório da auditoria, a CGU concluiu que existem problemas nas regras de funcionamento do cartão pesquisa e também na fiscalização feita pelo CNPQ.

"Considerando, dentre outros fatores, o volume de informações que deve ser analisada de forma individual e não automatizada pelos técnicos do CNPq e o baixo histórico de reprovação das prestações de contas, entende-se necessário o aprimoramento dos controles afetos aos pagamentos efetuados por intermédio do cartão pesquisa, sem prejuízo da verificação dos gastos indevidos e adoção de medidas para ressarcimento e responsabilização nos casos pertinentes", recomendou a auditoria da CGU.

Em nota, o CNPq – entidade responsável pela fiscalização do cartão pesquisa – afirmou que, em relação aos gastos apontados como suspeitos pela auditoria da CGU, é "importante ressaltar" que o uso do Cartão Pesquisa permitiu um registro em tempo real de cada movimentação realizada pelos pesquisadores (leia ao final desta reportagem a íntegra do comunicado).

Antes da implementação dos cartões, os gastos efetuados no desenvolvimento de pesquisas apoiadas pelo CNPq eram feitos por meio de talões de cheque.

O CNPq também destacou na nota que, atualmente, as despesas identificadas em "categorias não elegíveis" são checadas com a prestação de contas e com as regras próprias que cada pesquisa pode ter a partir das definições de cada chamada pública ou acordo de cooperação ao qual está vinculada.

"Quando um gasto não elegível é identificado, o CNPq comunica ao pesquisador para que apresente justificativa. Caso o gasto não encontre amparo no objeto da pesquisa, o recurso precisa ser devolvido ao Tesouro", destacou o conselho no comunicado, em que ainda ressaltou que "reafirma a confiança na seriedade e a dedicação de seus pesquisadores que tanto tem colaborado para o avanço científico e tecnológico do país."

Gastos suspeitos

Na auditoria, a CGU enfatizou que foram identificadas despesas potencialmente irregulares com itens como construção civil, hotéis, combustíveis, contas de água e luz e aplicativos de transporte de passageiros. Só em estabelecimentos e itens como barbearias, joalherias, vestuário, serviços de TV a cabo e streaming de vídeos a até mesmo "sites de encontro e relacionamentos", os auditores encontraram despesas que somaram cerca de R$ 2,5 milhões em seis anos.

"Até no próprio decorrer do processo de auditoria, estes dados foram discutidos com o CNPQ para que no processo específico de prestação de contas seja feita uma avaliação da adequabilidade destes gastos. O essencial foi chamar atenção para a melhoria do processo para reduzir os riscos", ressaltou Daniel Caldeira.

Problemas na transparência

Na auditoria, a CGU identificou cerca de 6 mil prestações de contas pendentes de análise, de um universo de cerca de 22 mil pesquisadores. Para a CGU, a solução passa pela tecnologia, com a criação de uma espécie de malha fina dos gastos.

"A gente tem de partir da perspectiva de melhoria da gestão a partir de soluções de tecnologia da informação que possam deixar o processo mais automatizado", afirma Daniel Caldeira. Segundo o CNPq, está em estudo o desenvolvimento de software que permita a detecção de gastos potencialmente inelegíveis de forma automática.

Outra recomendação feita pela CGU ao CNPq para reduzir os riscos de uso indevido do cartão pesquisa é a definição de parâmetros para uso do recurso, ou seja, que limitaria os gastos somente às compras que cumprissem as determinações do edital.

O diretor de Auditoria de Políticas de Infraestrutura da CGU observou que, diferentemente de outros cartões de pagamentos do governo federal, os gastos do cartão pesquisa não são divulgados no Portal da Transparência.

No relatório, a CGU apontou que o fato de essas despesas não serem públicas prejudica o controle social. O CNPq informou que já trabalha com o Banco do Brasil, que administra os cartões, para refinar as descrições dos gastos e que, após este aprimoramento, será possível tornar estes gastos públicos no Portal da Transparência.

Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pelo CNPQ:

Importante ressaltar que o uso do Cartão Pesquisa Banco do Brasil, em substituição ao antigo sistema de uso de talões de cheque, para realização de gastos no desenvolvimento das pesquisas apoiadas pelo CNPq permitiu um registro em tempo real de cada movimentação realizada. O Banco do Brasil envia mensalmente ao CNPq relatório eletrônico com todos os registros de uso.

As despesas identificadas em categorias não elegíveis são checadas com a prestação de contas e com as regras próprias que cada pesquisa pode ter a partir das definições constantes em cada Chamada Pública ou Acordo de Cooperação ao qual está vinculada.

As particularidades de cada tipo de chamada, de cada pesquisa e, ainda, a possibilidade da razão social do estabelecimento ser diferente do seu efetivo funcionamento exigem cuidado nas verificações.

Quando um gasto não elegível é identificado, o CNPq comunica ao pesquisador para que apresente justificativa. Caso o gasto não encontre amparo no objeto da pesquisa, o recurso precisa ser devolvido ao Tesouro.

Para aprimorar o sistema, ainda é necessário um refino da descrição dos gastos e, para tanto, o CNPq já iniciou tratativas com o Banco do Brasil. Após esse aprimoramento, será possível tornar estes gastos públicos no Portal da Transparência para o devido controle social.

O CNPq estuda, ainda, instrumentos que possam potencializar a capacidade de análise dos dados do Cartão Pesquisa. Além da publicação dos dados no Portal da Transparência para fins de controle social, está em estudo o desenvolvimento de software que permita a detecção de gastos potencialmente inelegíveis de forma automática.

O CNPq reafirma a confiança na seriedade e a dedicação de seus pesquisadores que tanto tem colaborado para o avanço científico e tecnológico do país.

Noticia publicada no site G1, em 28/05/2019, no endereço eletrônico: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/28/auditoria-da-cgu-aponta-suspeita-de-despesas-indevidas-em-27percent-dos-gastos-com-cartao-pesquisa.ghtml


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