'Havia concentração de grandes grupos', diz Mendonça Filho sobre flexibilização de ensino à distância

O GLOBO • 11 de novembro de 2019

José Mendonça Filho, ministro da Educação no governo de Michel Temer Foto: Jorge William / Agência O Globo

Gestor do Ministério da Educação ( MEC ) durante o governo de Michel Temer, José Mendonça Filho estava à frente da pasta quando o decreto que facilitou a abertura de polos de educação à distância foi editado. A medida, que à época sofreu críticas, é considerada um dos marcos da expansão da EaD no país.

Em entrevista ao GLOBO, Mendonça afirma que considerou a decisão "um sucesso". Segundo ele, a flexibilização na abertura de polos tornou o setor mais competitivo e trouxe benefícios aos estudantes .

O ex-ministro disse que as críticas de que a iniciativa traria sucateamento do setor correspondem a uma visão "oligopolista" e defendeu que não se pode atribuir a diferença de desempenho entre o modelo presencial e à distância simplesmente à falta de qualidade dos cursos EaD.

Raio-X da EaD

— Quando analisamos o desempenho do aluno não é relativo só à qualidade daquela instituição, tem que ser analisado sob outros aspectos, inclusive os aspectos da formação básica desses estudantes — argumentou.

Na sua opinião, qual o papel da EaD na educação brasileira hoje?

Esse segmento atende, principalmente, uma parcela da população que trabalha e não tem horário para frequentar sala de aula com os demais estudantes no regime presencial. Antigamente poucas pessoas estudavam pela internet, hoje várias fazem isso. As novas tecnologias proporcionam cada vez mais aulas de melhor qualidade. É um fato global, as maiores universidades do mundo têm cada vez mais educação à distância. Quanto editamos o decreto, em 2017, é importante dizer que tínhamos cinco grandes grupos monopolizando a educação à distancia. Um desses grupos concentrava mais de 50% das matrículas. O propósito daquele decreto foi ampliar a participação de outras faculdades e universidades privadas e também das universidades públicas nessa modalidade.

O número de polos de EaD deu um salto após o decreto. Considera uma política acertada?

Isso aumentou a
competição , reduziu o preço final aos estudantes e inseriu mais gente no ensino superior , além da ampliação da qualidade. É a demonstração clara de que a decisão foi um sucesso. Quando há mais competição entre universidades, exige mais qualidade, porque as melhores instituições têm que lutar mais para buscar o aluno. Como os polos eram limitados, havia uma hiperconcentração de grandes grupos universitários, e o processo para abrir um polo era uma maratona dificílima de ser alcançada, só os grandes grupos tinham condições de atingir aquele requisito.

Quando o decreto foi editado houve críticas de que um afrouxamento nas regras para abertura de polos poderia interferir negativamente na qualidade dos cursos. Qual sua posição sobre isso?

Essa é uma posição oligopolista que é contrária ao interesse do estudante. Hoje tem maior qualidade, menor preço e mais grupos atuando no setor. Das mais de 3 mil instituições de ensino que atuam no setor de educação no Brasil, 10% ofertam educação à distância. Não é um item simples. Hoje tem tecnologias que a pessoa pode ter a sensação de estar dentro da própria sala de aula. Cada vez mais as tecnologias estarão disponíveis para que o ambiente virtual seja um ambiente que integre as pessoas de forma mais efetiva. Existem universidades no mundo que funcionam só a partir de educação à distância. As coisas se complementam. Mas é lógico que o estado brasileiro precisa garantir a oferta de vagas na educação presencial das universidades públicas, especialmente as federais, que são do MEC, e as estaduais, e precisa também garantir a oferta de educação por meio das instituições privadas.

Ainda é pequena a oferta de educação à distância por parte das universidades federais. Como mudar esse cenário?

O setor público normalmente é muito lento na assimilação de novas tecnologias que possam tornar mais atualizado o panorama dessas instituições. Acho que é preciso garantir para essas instituições públicas condições de mobilizar meios para ofertar cursos de boa qualidade também na educação à distância. Boa parte dos cursos mais bem qualificados é das universidades federais, é possível que tenham cursos na modalidade EaD desde que se analise de que modo podem se fazer presentes nesse mundo. Tem a Universidade Aberta do Brasil (UAB), e é preciso buscar novos meios.

O desempenho de alunos de EaD ainda é bem inferior aos do presencial. Qual o papel do MEC nesse contexto?

Não me cabe avaliar a qualidade da regulação atual. Mas temos que levar em consideração que os alunos que migram para educação à distância são alunos que, muitas vezes, não têm nem sequer renda, ou que trabalham durante o dia e precisam estudar à noite, e que muitas vezes tiveram educação básica de pior qualidade. Quando analisamos o desempenho do aluno não é relativo só à qualidade daquela instituição, tem que ser analisado sob outros aspectos, inclusive de formação básica desses estudantes. Os alunos das federais são historicamente os que têm melhor qualidade de educação, salvo os que ingressam por cota, lógico que eles terão melhor desempenho. Os alunos que vão para instituições privadas de educação são alunos que trabalham, que pagam com sacrifício sua mensalidade. Há um acúmulo de déficit na educação básica, são aspectos que precisamos levar em consideração. Eu, pessoalmente, gosto muito da educação presencial, mas, para um aluno que está trabalhando e tem opção de fazer um curso via EaD, não posso impedir que ele tenha acesso a isso por conta de uma visão de Estado. O Estado precisa zelar pela qualidade, buscar a regulação e o monitoramento desses cursos. O Brasil tem uma curva potencial de pessoas que possam acessar o ensino superior muito grande, mas, para ampliar o acesso à educação superior, precisamos cuidar para garantir melhor qualidade na educação básica. Não posso inibir a oferta de EaD por conta disso (da deficiência na formação dos estudantes) , preciso melhorar a formação para que mais jovens possam fazer melhor o itinerário formativo (que compreende as outras etapas, como ensino fundamental e ensino médio) para acessar a educação superior.

O ministro atual fala em autorregulamentação do setor privado, qual sua opinião sobre isso?

A autogestão pura e simples pode não ser a melhor aplicação para o Brasil, mas uma maior autonomia com responsabilidade, em que o setor possa ter uma autorização para cumprir tais regras, e haja possibilidade de punição com a perda das licenças caso não se cumpra.

Notícia publicada no site O GLOBO, em 07/11/2019, no endereço eletrônico: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/ead-parte-7-havia-concentracao-de-grandes-grupos-diz-mendonca-filho-sobre-flexibilizacao-de-ensino-distancia-24054735


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