Acesso é desigual a cursos

O GLOBO • 18 de novembro de 2019

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Na semana passada, o IBGE divulgou uma notícia alvissareira: pela primeira vez na série histórica do instituto, o percentual de alunos de graduação que se autodeclaram pretos ou pardos passaram a ser a maioria (50,3%) em instituições públicas de ensino superior, no ano de 2018. No total da população, esses grupos representam 56%, o que significa que ainda há uma sub-representação, mas a distância diminuiu muito.

Em 1998, quando as estatísticas do IBGE começaram a demonstrar aumento da proporção de negros em cursos universitários, o percentual era de apenas 18% (considerando instituições públicas e privadas). Em 2001, quando os dados do instituto começaram a permitir diferenciar públicas e privadas, a proporção nas instituições estatais era de 31%. Ao contrário do que faz crer o senso comum, as públicas eram menos elitistas do ponto de vista racial, pois o percentual em instituições particulares era de 18% na época).

Desde então, o que vimos foi, tanto no setor público quanto no privado, um aumento contínuo na proporção de negros no ensino superior. Foi um avanço inegável, mas os dados do IBGE não permitem investigar outra questão relevante: quais são os cursos universitários que estão concentrando mais esses grupos populacionais?

A pedido da coluna, a consultoria Idados fez uma análise por curso nos microdados de 2018 do Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Inep. Em alguns deles, a proporção dos autodeclarados pretos e pardos supera, em alguns poucos pontos percentuais, a proporção desses grupos no total da população. São 60% dos alunos em Serviço Social e 58% em Pedagogia, por exemplo. No entanto, o maior gargalo da inclusão está nas carreiras de maior prestígio salarial. É o caso de Medicina (40%), Engenharia (40%), Odontologia (39%).

Uma análise publicada em julho deste ano na “Folha de S. Paulo” conta uma história parecida. Considerando os dez cursos mais bem avaliados no ranking universitário elaborado pelo jornal em cada carreira, o percentual de negros foi de apenas 27%. Na média geral dessas mesmas carreiras (ou seja, considerando não apenas os cursos de melhor avaliação), a proporção sobe para 42%.

A política mais visível de inclusão racial no ensino superior público foram as cotas. Mas elas não foram – ainda bem – o único motor dessa expansão. Esse movimento começa desde a educação básica, com políticas que ampliaram as matrículas nos anos 90 e levaram mais jovens negros a terminarem o ensino médio. Houve também a própria expansão do ensino superior, principalmente pela via privada. Ao final do século passado, cerca de 2 milhões de alunos estavam matriculados em cursos de graduação. Esse número, desde então, quadruplicou.

Num país que conviveu por séculos com a chaga da escravidão e com indicadores ainda tão profundos de desigualdade racial, é ilusório acreditar que o problema será resolvido em pouco tempo. É positivo perceber que, ao menos, estamos avançando. Mas há ainda um longo caminho a percorrer.

Notícia publicda no site O GLOBO, em 18/11/2019, no endereço eletrônico: https://blogs.oglobo.globo.com/antonio-gois/post/acesso-e-desigual-cursos.html


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