Qualquer profissão que dispensar a Educação Digital está fadada ao fracasso

ABMES • 10 de dezembro de 2019

Ex-secretário nacional de Educação à Distância, entre 2005 e 2006, Ronaldo Mota defende que qualquer profissão deve necessariamente ter pelo menos uma parte da formação através de plataformas do que ele chama de educação digital. Segundo ele, é "um crime" formar médicos, professores ou advogados sem essas habilidades.

— A familiaridade com a educação digital é imprescindível no mundo todo em todas as profissões. Qualquer profissão que dispensar a educação digital está fadado ao fracasso — defende o especialista.

Ronaldo — que atualmente é diretor científico da Digital Pages e membro da Academia Brasileira de Educação — ainda defende contribuições do ensino à distância ao modelo presencial e também o fim da dicotomia entre os dois modelos.

Há problemas em se oferecer cursos como Direito ou da área de Saúde via EaD?
Nós temos que separar o que é uma questão de qualidade e uma questão de modalidade. Às vezes, identifica-se um problema de qualidade, mas não há correlação clara entre a falta de qualidade e a modalidade. Na área de saúde, não dá para formar um profissional que não tem facilidade em lidar com o virtual. É, na verdade, descabido formar um médico sem que ele aprenda telemedicina. Inverto a pergunta: um profissional da área de saúde necessariamente deve ter uma formação que envolva educação digital. Obviamente um curso de Direito pode ter uma carga prevista à distância sem prejuízo de qualidade desde que isso seja ofertado com a devida qualidade.

Estamos mudando radicalmente o que a gente espera de um profissional e de um cidadão. Além das preocupações com o que foi aprendido, tem que propiciar ao educando aumentar a percepção de como ele aprende. Estamos vivendo um novo contexto de educação permanente ao longo da vida. A familiaridade com a educação digital é imprescindível no mundo todo em todas as profissões. Essa discussão radical, dicotômia, entre presencial e à distância só vejo no Brasil.

O mundo caminha para uma educação híbrida e personalizada. Se, em alguns aspectos, a educação digital tem sido administrada por instituições de má qualidade, isso também acontece no curso presencial correspondente. Desconheço instituições com bom conceito presencial e mal conceito na distância.

Como está a discussão sobre educação digital no mundo?
A medida que se adotam plataformas inteligentes de aprendizagem, elas permitem desenvolver análises da aprendizagem. Com isso, você consegue, mesmo com uma massa grande de alunos, conhecer as características individuais de cada um. Ao conhecer, pode fazer trilhas personalizadas que maximizam a aprendizagem deles. É disso que se fala sobre educação híbrida, personalizada e flexível. É como o Google. Da mesma maneira que ele te conhece, posso usar os mesmos algoritmos e conhecer meu aluno. Não para vender um produto ou serviço, mas para educá-lo melhor criando um leque de oportunidades compatíveis com as características individuais. Se eu dispensar o digital, estou fazendo um trabalho do século 20. Alias, qualquer profissão que dispensar a educação digital está fadada ao fracasso.

Como garantir a qualidade do curso à distância?
Começaria pelo elemento simples: a massa de estudantes vem de um ensino médio que provavelmente é um dos piores do planeta. Então os alunos que ingressam vem com deficiências muito grave na média. Segundo, há uma visão de preocupação obsessiva com o lucro que acaba gerando ou fomentando a má qualidade. Eu não tenho nada contra o lucro na educação, há espaço para o setor público e para o privado. O que me preocupa é a obsessão pelo lucro e não o lucro. Isso acontece tanto no presencial, quanto na modalidade à distância. Em educação, se os empresários soubessem como é bom negócio fazer bem feito, eles o fariam com boa qualidade. Nem que seja porque é bom negócio. Parte deles ainda não percebeu.

Como o senhor avalia o trabalho da Universidade Aberta do Brasil (UAB), que oferece cursos à distância através das instituições federais de ensino?
A Universidade Aberta do Brasil nasceu com muito fôlego, mas não teve continuidade de políticas sustentáveis. Mesmo assim, ela teve um papel fundamental de introduzir a cultura do digital nas universidades públicas. Hoje boa parte dos cursos presenciais adotam um conjunto de ferramentas que vieram dessas experiências da UAB porque é o mesmo professor que dá as duas modalidades. É fantástico. O setor privado foi mais dinâmico conseguiu ampliar muito a sua oferta. Já o setor público mais uma vez mostrou dificuldade de manter uma política. O Brasil não está discutindo algumas ações educacionais importantes.

Quais, por exemplo?
Estamos trabalhando ainda com cursos longos sem certificações intermediárias. O mundo trabalha com isso. Na área de Administração, por exemplo, o primeiro certificado aqui no país é quando o aluno consegue o diploma. O mundo trabalha com certificações intermediárias. No final do segundo ano, o estudante lá ganha a certificação em Gestão e Finanças, que não tem o mesmo valor do diploma, mas vale como um título informal que pode utilizar na sua vida profissional. O Brasil não faz nem na pública nem no privada. No particular, há medo dele abandonar. No público, existe um tradicionalismo arraigado muito voltado para as carreiras clássicas do século XX. Mas o mundo mudou.

Alguns especialistas propõem que o curso de formação de professores tenha um limite máxima de carga horária à distância. O que o senhor pensa sobre isso?
Eu tendo sempre a pensar o oposto. Formar um professor que não tenha plena habilidade das ferramentas da educação digital seria formar alguém para o século passado. Se eu propusesse uma lei, deveria ser proibido formar um docente que não tenha tido forte contato com ferramentas de aprendizagem em ambientes digitais. Estamos falando em formar crianças e jovens. É um crime formar um professor que não tenha pleno domínio das ferramentas digitais.

A educação à distância ainda tem um problema grave de evasão?
Evasão da distância é diferente da presencial. A modalidade à distância é levemente superior, mas concentrada no primeiro e segundo semestre. E na presencial é espalhada. Aqueles que furam o bloqueio na EaD não evadem. Porque aqueles que conseguem superar a utilização dessa metodologia, aprendem a aprender no mundo digital. Assim, o índice de evasão a partir do terceiro semestre é mais baixo. Isso é muito positivo porque significa que o aluno se habitou a superar essas dificuldades.

Notícia publicada no site ABMES, em 09/12/2019, no endereço eletrônico: https://abmes.org.br/noticias/detalhe/3595/%27qualquer-profissao-que-dispensar-a-educacao-digital-esta-fadada-ao-fracasso%27


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