BNCC atrasada, Future-se sem prazo e os embates do ministro: o ano da educação em 10 pontos

G1 • 30 de dezembro de 2019

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, durante transmissão no Facebook sobre o contingenciamento orçamentário das universidades federais — Foto: Reprodução/Facebook

O ano de 2019 na educação foi marcado pelos efeitos da troca de governo federal. Na nova gestão do Ministério da Educação, novas prioridades foram elencadas, mas algumas delas, incluindo alguns programas que já estavam em andamento nas gestões anteriores, acabaram apresentando atrasos nas metas e foram deixados para 2020.

A principal prioridade para gestores e professores das mais de 180 mil escolas brasileiras é a Base Nacional Comum Curricular. Para ela sair do papel e entrar na sala de aula, várias etapas ainda precisam ser cumpridas.

Veja abaixo os principais capítulos que marcaram o ano na área educacional:

  1. Início turbulento
  2. Revisão das questões do Enem
  3. Novo ministro e contingenciamento
  4. Déficit orçamentário e corte de bolsas
  5. Future-se e a autonomia das federais
  6. Expansão das escolas cívico-militares
  7. Política de Alfabetização
  8. Nova formação de professores
  9. Embates de Weintraub e as universidades
  10. Atrasos na implementação da BNCC

1- Início turbulento

Em janeiro, quem assumiu a pasta foi Ricardo Vélez Rodríguez, um filósofo nascido na Colômbia e indicado pelo escritor Olavo de Carvalho. Os demais cargos da pasta foram alvo de uma ferrenha disputa interna entre o grupo de seguidores de Olavo, que queriam impor uma agenda ideológica, e o grupo formado principalmente por militares, interessados em um caminho pragmático para as políticas do ministério.

Enquanto isso, a falta de ação concreta e uma série de pequenas polêmicas aumentaram a instabilidade política na pasta. Além de o MEC ter publicado um edital para compra de livros com erro, que depois teve que ser anulado, Vélez ainda anunciou que iria 'impulsionar' o Projeto Rondon, o que não chegou a sair do papel, e enviou uma carta a escolas pedindo que elas filmassem os alunos cantando o hino e repetindo o slogan de campanha eleitoral de Bolsonaro -- o que vai contra a lei.

Sua gestão à frente do MEC, porém, durou pouco mais de três meses. Nesse meio tempo, 14 pessoas foram exoneradas, incluindo impasses para a definição do secretário-executivo, considerado o "número 2" do ministério.

2- Revisão das questões do Enem

Em março, ainda durante a gestão Vélez, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) tirou do papel uma das promessas feitas por Jair Bolsonaro logo após sua eleição: revisar as questões do Enem para retirar conteúdos considerados "ideológicos". A solução encontrada por Marcus Vinicius Rodrigues, então presidente do instituto, foi criar uma comissão externa que, durante cerca de 20 dias, revisou o banco de questões.

O objetivo desse trabalho, segundo fontes ouvidas pelo G1, foi destacar as questões que poderiam suscitar questionamentos ou polêmicas. Essas questões, porém, não foram apagadas do banco: elas foram colocadas em "quarentena", para que não fossem usadas nas provas do Enem 2019.

Na aplicação regular do Enem 2019, o atual ministro Abraham Weintraub comemorou o fato de nenhuma parte da prova ter sido alvo de questionamentos e também destacou a menor abstenção da história do exame. Foi o terceiro ano consecutivo de queda na abstenção.

3- Novo ministro e contingenciamento

Após a demissão de Vélez, Bolsonaro anunciou para o cargo o economista Abraham Weintraub, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pouco conhecido na academia nacional, Weintraub fora um dos responsáveis pela elaboração do capítulo de educação do programa de governo do então candidato do PSL em 2018 e, no início do ano, foi secretário-executivo da Casa Civil, abaixo de Onyx Lorenzoni.

A gestão de Weintraub foi marcada pelo bloqueio orçamentário de R$ 5,83 bilhões na educação, a área mais impactada pelo contingenciamento de R$ 33,4 bilhões, e 30% da verba das federais foi paralisada.

Em meio à crise, ele minimizou os bloqueios. Em uma transmissão nas redes sociais ao lado de Bolsonaro, o ministro usou chocolates para demostrar que o contingenciamento era de apenas 3,4%, e não de 30%. Para isso, o ministro da Educação considerou o orçamento total do MEC para a área, o que inclui gastos obrigatórios que não podem ser cortados, como a folha de pagamento.

O descontigenciamento federal foi anunciado gradualmente na segunda metade de setembro. Segundo o MEC, a verba da pasta só foi totalmente liberada no fim de novembro.

4- Déficit orçamentário e corte de bolsas

O ano de 2019 foi de apreensão para os cerca de 80 mil bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência Tecnologia (MCTIC). O problema começou em 2018, quando o orçamento do órgão para 2019 foi aprovado pelo Congresso com um déficit de cerca de R$ 300 milhões. Com isso, o CNPq só tinha recursos suficientes para pagar as bolsas de pesquisa até setembro.

Para resolver esse problema, era preciso que o Ministério da Economia abrisse um "crédito suplementar", uma espécie de reforço orçamentário. O novo ministro da Ciência e Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes, levou dez meses para cumprir essa missão -- o primeiro pedido de crédito suplementar ao Ministério da Economia foi feito em março. Mesmo após o apoio do Congresso para que o governo liberasse a verba extra, a Economia só garantiu o repasse em 30 de outubro.

5- Future-se e a autonomia das federais

Em meados de julho, o MEC apresentou sua principal proposta para o ensino superior: o Future-se. Segundo o MEC, o objetivo é encontrar outras fontes recursos além do orçamento federal para as universidades, e flexibilizar as regras de execução das atividades na tentativa de otimizar a gestão e cortar gastos.

Seis meses após ser anunciado, o Future-se ainda não havia saído do papel. Após o MPF questionar a primeira consulta pública sobre a proposta, o MEC afirmou que lançaria uma nova consulta até o fim de outubro. Em dezembro, a pasta disse ao G1 que o documento ainda estava "em análise" dentro do ministério, ainda sem prazo para ser finalizado. Só então a proposta do novo projeto de lei será encaminhada à Casa Civil para divulgação pública.

Enquanto isso, mais de 25 universidades federais já haviam se posicionado contra a proposta original do MEC. A maioria critica a falta de detalhes das mudanças, que quer alterar 16 leis e permitir a contratação de organizações sociais (OS), e alerta para o risco à autonomia universitária. Segundo dados do MEC, o Future-se recebeu apoio oficial da Academia Brasileira de Educação, do Instituto Militar de Engenharia (IME) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), os dois últimos ligados à Força Aérea.

6- A expansão das escolas cívico-militares

Outra proposta criada pelo novo governo federal, a expansão de escolas cívico-militares foi articulada por uma nova subsecretaria. Neste modelo, o projeto didático-pedagógico fica sob a coordenação pedagogos e educadores, e a disciplina sob militares da reserva. O objetivo é implantar 108 escolas até 2022.

A primeira etapa ocorrerá em 2020. O MEC afirma que vai destinar R$ 54 milhões para implantar o modelo em 54 escolas. Deste total, R$ 28 milhões virão do Ministério da Defesa para pagar os militares. Até o fim de novembro, o MEC havia divulgado o nome de quase todos os municípios que foram selecionados para o projeto, mas a lista completa de escolas ainda não havia sido definida.

Em pelo uma delas, no município de Campinas, o processo de implementação foi parar na Justiça: o Ministério Público considerou que há poucos detalhes sobre como será o novo modelo, e conseguiu na Justiça uma liminar para suspender, em 18 de dezembro, uma votação com professores e pais de alunos sobre a aceitação ou não da mudança.

7- Política Nacional de Alfabetização

Promessa de campanha e meta dos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro, criar uma Política Nacional de Alfabetização (PNA) foi a principal missão da nova Secretaria de Alfabetização do MEC (Sealf). O decreto da política foi publicado em abril deste ano, mas o caderno que deveria detalhar as ações para implementação da PNA só foi divulgado em agosto, e foi criticado por ser "muito genérico" e não explicar de fato como a política sairia do papel.

No fim de novembro, a Sealf foi novamente alvo de críticas da Comissão Externa de Educação da Câmara. O relatório dos deputados federais afirmou que, "ainda que elencada como prioridade, a Política Nacional de Alfabetização (PNA) não foi implementada e tampouco foi apresentado um plano de ação que articule e informe os entes federativos sobre como e quando esta chegará às escolas".

No início de dezembro, o MEC havia anunciado o guia Conta pra Mim, uma iniciativa para estimular que pais leiam para os filhos. Na ocasião, o governo anunciou que, em janeiro, vai divulgar informações sobre um programa voltado à formação de professores de alfabetização, ainda sem nome definido.

Em sua Avaliação de Desempenho Institucional, divulgada em dezembro, o MEC disse que cumpriu todas as metas relacionadas ao tema, publicando a PNA e realizando "66 reuniões ou visitas técnicas" sobre programas de alfabetização (a meta era 40). Porém, a primeira reunião do grupo de trabalho sobre o Programa de Alfabetização, reunindo o MEC e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), principal entidade para articular ações na maioria das turmas de alfabetização, só ocorreu em 10 de dezembro.

8- A nova formação de professores

Em 7 de dezembro, após um mês de avaliação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou as novas regras para os cursos de formação de professores, incluindo o de pedagogia e áreas como português, química, biologia etc. A novidade torna mais clara a obrigatoriedade de as faculdades ampliarem a duração do curso de três para quatro anos – uma adequação que já havia sido determinada para aumentar a qualidade da formação, mas que ainda não foi feita pela totalidade de instituições.

As regras para a parte prática do curso, incluindo o estágio em sala de aula, também mudaram. Agora, fica explícito que o estágio de quem faz o curso a distância (EAD) seja "obrigatório e integralmente realizado de maneira presencial".

9- Embates de Weintraub e as universidades

No cargo de ministro da Educação desde, Abraham Weintraub tem acumulado rusgas com as instituições públicas de ensino superior. Em maio, ele afirmou que cortaria recursos de universidades em que houvesse "balbúrdia".

O ministro também rejeitou decisões das votações de professores e servidores na escolha dos reitores. Pelo menos até 30 de agosto, em metade das ocasiões o novo governo deixou de indicar o candidato mais votado para o cargo de reito, segundo um levantamento do G1. O MEC afirmou que as instituições fazem eleição para definir a lista tríplice, mas que "a palavra final é do presidente da República".

Em pelo menos um caso, na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o Conselho Universitário aprovou um pedido de destituição do reitor empossado.

Weintraub também foi até convocado pelos deputados federais a explicar declarações de que a estrutura das universidades federais está sendo usada para a plantação e o tráfico de drogas. Nos dois exemplos que ele mencionou, porém, as investigações derrubaram essas acusações e isentaram as federais de irregularidades.

Ele ainda afirmou, em um vídeo em outubro, que iria "caçar um pessoal" que "fica fazendo balbúrdia" na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

10- Os atrasos na implementação da BNCC

Principal programa educacional iniciado antes da chegada do novo governo, mas com atividades previstas para 2019, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um esforço que envolve ações em regime de colaboração entre o MEC e as redes estaduais e municipais. Embora os documentos nacionais tenham sido aprovados em partes até 2018, os anos de 2019 e 2020 trazem diversas metas de implementação da base, como a elaboração de currículos, a formação de professores, a revisão dos projetos pedagógicos e a readequação dos livros didáticos.

Para isso, a gestão anterior da pasta criou o programa Pró-BNCC, que ainda está ativo. Mas algumas das metas previstas para 2019 ficaram com atraso.

Uma delas era relativa à BNCC do ensino médio, aprovada no fim do ano passado. O objetivo era que, até dezembro de 2019, todos os estados tivessem elaborado versões parciais de suas bases estaduais, fizessem consultas públicas sobre elas, consolidassem uma versão final e a entregassem aos conselhos estaduais, para avaliação e aprovação. No entanto, nenhum estado cumpriu essa meta. Ao G1, o MEC informou que "esta meta será cumprida até o primeiro semestre de 2020".

Já em relação às BNCC dos ensinos infantil e fundamental, que foram aprovadas um ano antes, as metas eram que os professores tivessem pelo menos 30 horas de formação sobre os novos currículos e que pelo menos 70% dos projetos pedagógicos das escolas estaduais e municipais fossem revistos de acordo com o novo currículo. Sobre a primeira meta, o MEC informou que "19 estados iniciaram a formação de professores, e outros oito estão em processo para a oferta de formação". Já sobre a revisão de projetos, a pasta disse que os estados terão até março de 2020 para alcançar a meta, que é quando a avaliação – uma tarefa a ser feita pelo MEC – deve ocorrer.

Outra função do MEC era financiar o trabalho das equipes estaduais de elaboração dos currículos. Em abril, a pasta disse que repassaria mensalmente o valor referente a 1.457 bolsas. Fontes ouvidas pelo G1 informaram que houve problemas operacionais pontuais no repasse do valor das bolsas, mas que eles foram solucionados ao longo do ano. O MEC afirmou, por sua vez, que, no mês de dezembro, garantiu a oferta de 100% das bolsas anunciadas.

No total, a pasta prometeu repassar R$ 105 milhões às redes pelo Pró-BNCC. Segundo o MEC, ainda não há um balanço final de quanto desse valor já foi empenhado porque a execução orçamentária vai até 31 de dezembro. Fontes consultadas pelo G1 afirmaram que, embora com alguns atrasos ocorridos por problemas operacionais, o MEC conseguiu deixar o dinheiro disponível. Além disso, elas ressaltam que parte dos atrasos também pode ocorrer porque os gestores estaduais e municipais demoram para realizar os trâmites necessários para acessar os recursos, como a elaboração de editais de licitação.

Já sobre os livros didáticos, os níveis de ensino estão em fases diferentes de implementação: os alunos de 1º ao 5º ano do fundamental já trabalharam com livros adaptados à BNCC em 2019; os do 6º ao 9º ano deverão receber os novos livros no ano letivo de 2020. Já no ensino médio, a previsão era que os livros chegassem até a sala de aula a partir de 2021.

No entanto, o edital para a elaboração do material, que o MEC deveria publicar no início do ano, só saiu em 13 de dezembro, de forma parcial. O FNDE diz que o edital para as demais obras sairá no primeiro semestre do ano que vem. Segundo especialistas, em geral, o período entre o edital e a distribuição dos novos livros é de dois anos. O edital publicado em dezembro encurtou o prazo para pouco mais de um ano para parte das obras. O FNDE diz trabalhar com a distribuição em 2021 para esses livros, e os demais só devem chegar aos alunos em 2022. Isso também deve atrasar as alterações das matrizes de conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Notícia publicada no site G1, em 29/12/2019, no endereço eletrônico: https://g1.globo.com/retrospectiva/2019/noticia/2019/12/29/bncc-atrasada-future-se-sem-prazo-e-os-embates-do-ministro-o-ano-da-educacao-em-10-pontos.ghtml


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