As Matrículas nos ensinos fundamental e médio no Vale do Paraíba em São Paulo

ABRAFI • 13 de junho de 2020

Vale do Paraiba

Uma frase atribuída a Benjamin Franklin (1706...1790) diz muito sobre a relação do desenvolvimento com a educação: “O investimento em conhecimento é aquele que traz maiores retornos”. O retorno, via de regra, é lento, demora por vezes duas ou mais gerações, porém uma atuação deficiente na área educacional, traz consequências em menos de década. O número de matrículas no Ensino Fundamental retrocedeu 10,9% no Estado de São Paulo na comparação do ano 2010 (6.025.963 matrículas) com o ano 2018 (5.367.614 matrículas), não se constituindo fato isolado e sim uma queda constante se a comparação for estabelecida com anos antecedentes a 2018. No Ensino Médio, a queda se repetiu, totalizando 7,8%, ou seja, o número de matrículas caiu de um total de 1.803.727 matrículas (2010) para 1.640.170 (2018), com a constância de queda no comparativo dos anos antecedentes (Fonte: IBGE - Cidades).

A Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN, criada com a lei complementar paulista nº 1.166/12, como doravante será chamada) teve um desempenho negativo menor que o ocorrido no Estado de São Paulo, segundo dados da Fundação Lemann, queda de 9,7%, em se tratando do Ensino Fundamental (de 336.607 matrículas – 2010 para 303.924 – 2018), já em se tratando do Ensino Médio o desempenho foi pior, queda de 15,4% (de 104.464 matrículas – 2010 para 88.280 – 2018).

O Gráfico 01 retrata esta queda no número de matrículas no Estado de São, pois trata-se de material oficial disponibilizado pelo IBGE, mediante publicação no Site: Cidades@.

Fonte: Cidades@

Como a resposta, em se tratando de “educação”, é lenta, qualquer modificação implementada tende a mostrar resultados ao longo de anos. Nota-se pelo Gráfico 1 o início do declive da curva de matrículas no Ensino Fundamental a partir de 2010, coincidindo com o prazo final para a consolidação da implantação da duração do Ensino Fundamental em 09 anos, em substituição aos 08 anos antes em vigor (Lei 11274/2006).

Em relação ao Ensino Médio, a modificação do aclive da curva para declive (fato notado no Gráfico 1 a partir do ano 2014), percebe-se que, também, é decorrente em modificação introduzida através de Lei (13005/14), fato bem notado por Martins (2017):

“Em relação ao decréscimo do número de matrículas no Ensino Médio, em 2013, registrou-se uma queda acentuada para 75% dos adolescentes, mantendo-se estável, com ainda tendência à redução, em 2015 (74%). A população seguiu aumentando; e o número de matrículas, diminuindo sistematicamente (MARTINS, 2017. P.53.)”

A diferença de 658.349 crianças que estariam na escola cursando o Ensino Fundamental (mantido o patamar de matrículas do ano 2010, sem considerar o acréscimo populacional no período) certamente incidirá, dentre de poucos anos, em decréscimo maior ainda no verificado no Ensino Médio (169.557 jovens).

Hermes Trimegistro, na Tábua de Esmeraldas”, séculos a.C., afirmava que tal como em cima, é também embaixo, resultando , de mesma forma, que a RMVPLN e a Sub-região 3 acompanharam a queda ocorrida no plano estadual e federal, pois cumpre ao Estado e Municípios o seguimento do que foi legislado no plano federal, independente das suas características regionais e culturais.

É preferível atribuir mudanças negativas que afetam uma ou mais gerações às formulações experimentais sem um embasamento profundo, do que se atribuir a maquinações maquiavélicas propositais, ou outros fins obscuros, tais como é descrito por Joly (1864) na sua obra: Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu:

“O Usurpador de um Estado encontra-se em uma situação análoga à de um conquistador. Ele está condenado a renovar tudo, a dissolver o Estado, a destruir a Cidade, a mudar a face dos costumes. Essa é a meta, mas hoje só podemos tender para esse rumo por vias obliquas, por rodeios, por combinações hábeis e, sempre que possível isentas de violência. Assim não destruirei diretamente as instituições, mas tocarei uma por uma com um toque suave que irá escangalhar o mecanismo.

Portanto, modificarei sucessivamente a organização judiciária, o sufrágio, a imprensa, a liberdade individual e o ensino (1864. p.53.)”

Embora sendo a administração escolar do Ensino Médio de responsabilidade do Estado, o sucesso ou fracasso do mesmo incide diretamente no município que abriga a juventude nesta faixa etária, enquanto relativo ao Ensino Fundamental, por ser de administração municipal, toda a responsabilidade compete ao município.

A RMVPLN, integrada por 39 municípios, é constituída de 05 Sub-regiões:

Quadro 1: Sub-regiões da RMVPLN

Sub-região

Município Sede

Municípios

1

São José dos Campos

Caçapava; Igaratá; Jacarei; Jambeiro; Monteiro Lobato; Paraibuna; Santa Branca; e São José dos Campos;

2

Taubaté

Campos do Jordão; Lagoinha; Natividade da Serra; Pindamonhangaba; Redenção da Serra; Santo Antônio do Pinhal; São Bento do Sapucai; São Luiz do Paraitinga; Taubaté; e Tremembé;

3

Guaratinguetá

Aparecida; Cachoeira Paulista; Canas; Cunha; Guaratinguetá; Lorena; Piquete; Potim; e Roseira;

4

Cruzeiro

Arapei; Areias; Bananal; Cruzeiro; Lavrinhas; Queluz; São José do Barreiro; e Silveiras;

5

Caraguatatuba

Caraguatatuba; Ilhabela; São Sebastião; e Ubatuba;

Fonte: Fundação SEADE

Todas as Sub-regiões da RMVPLN apresentaram um decréscimo no número de matrículas (acompanhando o mesmo perfil verificado no Estado de São Paulo), tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, quando confrontados os dados dos anos 2010 com os do ano 2018. A Tabela 1 mostra esta visão geral:

Tabela 1 – Ensino Fundamental e Médio (1010 e 2018) na RMVPLN

Fonte: Fundação Lemann

Para uma melhor imagem do fenômeno ocorrido na RMVPLN, separando a vista do Ensino Fundamental do Médio, o Gráfico 2 traz a evolução ano a ano do período 2010 a 2018:

Gráfico 2 – RMVPLN – Ensino Fundamental, período 2010 a 2018

Fonte: Fundação Lemann

Percebe-se uma recuperação de 1,3% ocorrida do ano 2017 para o ano 2018, recuperação esta que espera-se que seja o início de uma recuperação de uma situação anteriormente nefasta.

Quanto ao Ensino Médio, repetindo o ocorrido no Estado de São Paulo, o problema se acentuou a partir do ano 2014, conforme pode ser visto no Gráfico 3:

Gráfico 3 – RMVPLN – Ensino Médio, período 2010 a 2018

Fonte: Fundação Lemann

O Ensino Fundamental

Retornando ao nosso foco inicial que é o estudo do fenômeno “queda no número de matrículas”, ocorrido na Sub-região 3, quando o enfoque é o Estudo Fundamental, nota-se que pela Tabela 1 esta Sub-região ficou em penúltimo lugar em relação às demais. O Gráfico 4 permite visualizar a queda percentual ocorrida nesta Sub-região do ano 2010 até o ano 2018:

Gráfico 4 – Sub-região 3 – Ensino Fundamental, período 2010 a 2018

Fonte: Fundação Lemann

A Tabela 2 mostra a involução do número de matrículas referente ao período 2010 a 2018, relativo ao Ensino Fundamental, exibindo os números de cada município integrante da Sub-região 3:

Tabela 2 – Número de matrículas 2010 a 2018 por município da Sub-região 3 -Ensino Fundamental

Fonte: Fundação Lemann

O quadro é grave, pois contrapondo-se o ano de 2010 com o ano de 2018, resulta-se em um total de 7.222 que deveriam estar matriculados a mais no ano de 2018, não o estão. A tendência ao decréscimo se mostrou a alguns anos atrás, porém passou desapercebido por quem podia e devia agir. Benjamin Franklin asseverava sobre um planejamento eficiente:

Aos governantes, assoberbados pelo trabalho que lhes incumbe, não apraz, geralmente, a tarefa de considerar e por em prática novos projetos. As melhores providências de caráter público, portanto, raras vezes são adotadas de acordo com uma previdente visão do futuro, sendo quase sempre impostas pela necessidade ocasional (FRANKLIN, 2005, p. 153).

Para possibilitar uma melhor visualização, no Gráfico 5 é demonstrado o número de matrículas ano a ano do município de Canas que está na posição mediana da Tabela 2 comparado com os municípios que ocupam os extremos, que são, respectivamente, Roseira (menos desfavorável) e Cunha (como pior resultado)

Gráfico 5 – Número de matrículas Canas, Roseira e Cunha – 2010...2018 Ensino Fundamental

Fonte: Fundação Lemann

Não se tem dados de uma ação feita pelos gestores da educação no município Roseira, mas o declínio cessou a partir do ano 2015 se estabilizando em um nível inferior a 2010. No município de Canas a estabilidade se manifestou a partir de 2016. No município de Cunha o declínio foi constante, não havendo recuperação.

Vale realçar que a Constituição Federal, mediante o Art. 122 prevê os seguintes recursos de custeio da Educação Básica: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.” Porém para se obter um resultado efetivo não basta apenas ter os recursos e sim o porquê, quando e onde gastar.

Nem sempre a economia obtida com a redução no número de escolas reflete em uma maior disponibilidade financeira para se investir em educação, e o consequente aumento no número de matrículas. A Tabela 3 traz um panorama do número de escolas (Ensino Fundamental + Ensino Médio) das cidades selecionadas para um estudo comparativo.

Tabela 3 – Número de escolas em operação no período 2010...2018 – Cunha; Canas; e Roseira;

Fonte: Fundação Lemann

Outros fatores poderão existir, porém nota-se uma correspondência entre o número de escolas em operação no município de Cunha e a queda no número de matrículas no período 2010...2018.

Ressalta-se que nem sempre um acréscimo no número de escolas resulta em um incremento no número de Matrículas, fato este que pode ser visualizado no Gráfico 6, tomando-se o município de Potim como referência.

Gráfico 6 – Comparativo número de escolas e número de matrículas 2010...2018 – Potim

Fonte: Fundação Lemann

São muitas as variáveis que incidem no agravamento do Problema, note-se, porém, que a distância entre a residência e a escola é uma delas.

Analisado o fenômeno do ponto de vista de matrículas no 1.ºAno do Ensino Fundamental a Tabela 4, novamente comparando os três municípios selecionados (Canas, Cunha e Roseira), constata-se um crescimento de matrículas no município de Cunha e uma diminuição nos municípios de Canas e Roseira.

Tabela 4 – Número de matrículas no 1.º Ano Fundamental 2010...2018 – Canas, Cunha e Roseira

Fonte: Fundação Lemann

O município de Roseira, que apresenta o menos sofrível desempenho em relação ao número de matrículas no período 2010...2018, pode vir ter sérios problemas nos anos vindouros, face ao decréscimo constante no número de matrículas no 1.º Ano do Ensino Médio no período 2010...2018.

O Ensino Médio

Inicia-se o estudo do Ensino Fundamental na Sub-região3 pela análise do Gráfico 7, no qual é mostrado, ano a ano (2010...2018), o resultado dos municípios integrantes desta Sub-região.

Gráfico 7 - Sub-região 3 – Ensino Médio, período 2010 a 2018

Fonte: Fundação Lemann

Os números do Ensino Médio são alarmantes, pois indica um grande volume de jovens, prestes a entrarem no mercado de trabalho, com formação deficiente. Em mesmo cenário, em contraponto aos tempos atuais, citando Adam Smith Marx contextualizava:

[...] A compreensão da maior parte das pessoas se forma necessariamente através das suas ocupações ordinárias. Um homem que depende toda a sua vida na execução de algumas operações simples, não tem oportunidade de exercitar sua inteligência, geralmente ele se torna tão estúpido e ignorante o quanto pode se tornar uma criatura humana. A uniformidade de sua vida estacionária corrompe naturalmente seu ânimo, destrói mesmo a energia do seu corpo, e torna-o incapaz de empregar suas forças com vigor e perseverança em qualquer outra tarefa que não seja aquela para que foi adestrado (MARX, 1995, p. 414).

Com formação educacional deficiente e com o incremento da industrialização da agropecuária, sobram menos ocupações para jovens com formação inadequada, restando-lhes os trabalhos braçais ou outros que não requeiram uma qualificação maior.

A Tabela 5 mostra a involução do número de matrículas referente ao período 2010 a 2018, relativo ao Ensino Médio, exibindo os números de cada município integrante da Sub-região 3:

Tabela 5 – Número de matrículas 2010 a 2018 por município da Sub-região 3 - Ensino Médio

Fonte: Fundação Lemann

Para possibilitar uma melhor visualização, no Gráfico 8 é demonstrado o número de matrículas ano a ano do município de Guaratinguetá que está na posição mediana da Tabela 5, em comparação com os municípios que ocupam os extremos, que são, respectivamente, Potim (menos desfavorável) e Piquete (como pior resultado).

Gráfico 8 - Número de matrículas Guaratinguetá, Potim e Piquete – 2010...2018 Ensino Médio

Fonte: Fundação Lemann

Uma administração distante e descentralizada, por vezes, não consegue ter a agilidade para identificar e estancar um problema desta magnitude, que incide diretamente no município onde moram os jovens. A administração do Ensino Médio é de competência do Governo Estadual. Com os municípios ficam os ônus do fenômeno “Nem-Nem” (pessoas de 15 a 24 anos que não estudam, não trabalham e são vulneráveis, na população dessa faixa) e toda as demais decorrências que a ociosidade ou o subemprego produzem.

Conclusão

A situação é grave, porém reversível como pode ser verificado no exemplo do município de Cunha (Tabela 4), quando aumentou em 10,4% o número de matrículas no 1.º Ano do Ensino Fundamental se comparado o ano de 2010 com o ano de 2018. A divisão da administração do Ensino Fundamental (Municipal) do Ensino Médio (Estadual) cria conduções em duplicidade de uma região para escolas, escolas fechadas durante períodos do dia, etc. A verba pouca, desta forma, é consumida sem trazer o benefício tão necessário à população.

Frase a ser meditada: “Uma das situações da vida mais cheias de esperança é aquela em que estamos tão mal, que já não podemos estar pior (Thomas Mann, 1875...1955).

Bibliografia

BENJAMIN FRANKLIN. Autobiografia. 2.ª Edição – Editora Martin Claret. São Paulo. 2005

BENJAMIN FRANKLIN. Frases. Guaratinguetá. 2016. Disponível em: www.mysim.com.br/projeto Acesso em 21 fev 2020

FUNDAÇÃO LEMANN. QEdu. São Paulo. 2020. Disponível em: https://www.qedu.org.br/ Acesso em 18 fev 2020

HERMES TRIMEGISTRO. A Tábua de Esmeraldas. O Segredo. Campo Grande – MS.2014. Disponível em: https://osegredo.com.br/tabua-de-esmeralda/ Acesso em 25 fev 2020

IBGE – CIDADES. Censo escolar – sinopse. Brasília. 2019. Disponível em: https://www.cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/aparecida/13/5908?tipo=grafico&indicador Acesso em 21 fev 2020

JOLY, M. Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu. Editora UNESP. São Paulo.2009

MARTINS, R. C. R. O Ensino Médio e o Plano Nacional de Educação: ainda muito longe da realização da Meta 3. Brasília. 2017. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/areas-da-conle/tema11/o-ensino-medio-e-o-plano-nacional-de-educacao-ainda-muito-longe-da-realizacao-da-meta-3 Acesso em 15 fev 2020

MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política. 10.ª Edição. São Paulo: Difusão Editora S.A. (DIFEL), 1985.

SEADE. Portal de Estatísticas do Estado de São Paulo. São Paulo. 2020. Disponível em: https://www.seade.gov.br Acesso em: 19 fev 2020


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