Reflexão sobre as autorizações de cursos de medicina no Brasil - Por: Prof. Paulo Chanan

EMPREENDA EXITO • 23 de junho de 2020

Diretor de Regulação e Procurador Institucional (PI) na Grupo Ser Educacional

São os momentos de extrema gravidade que, normalmente, convidam à reflexão. E esse cenário gerado pelo Coronavirus é, sem dúvida, um desses instantes imperdíveis. Nesse contexto, pontuar sobre a política utilizada no Brasil para autorizações de novos cursos de medicina é tema absolutamente oportuno.

Uma questão central impõe-se: um País de dimensões continentais como o Brasil, com mais de 2.500 instituições de educação superior, ainda que em tempos de pandemia mundial, precisaria passar pelo calvário de buscar formaturas antecipadas de estudantes de medicina para atendimento das necessidades trazidos pelo COVID-19? Ou, ainda, desesperadamente, necessitaria aceitar considerar a atuação de médicos formados em outros países sem que tenham eles passado pelo processo oficial de revalidação de diplomas, o Revalida?

A resposta evidente aos dois questionamentos é um redundante não!

Expor a população aos cuidados de profissionais que, sequer, concluíram seus estudos adequadamente ou de outros profissionais que, ao menos, não se pode avaliar seu nível de formação, só faz-se necessário pelo equívoco histórico do Poder Público em tratar tão diferenciadamente as autorizações de cursos de medicina em comparação aos demais cursos de graduação.

Um olhar atento para a história conduzirá ao encontro do primeiro curso de medicina autorizado no Brasil, no longínquo ano de 1808, para a, então, Escola de Cirurgia da Bahia que, futuramente, passou a ser conhecida como Faculdade de Medicina da Bahia, pertencente a Universidade Federal da Bahia.

Desse primeiro curso até o ano de 1997 nunca houve avaliação efetiva para se autorizar um curso de medicina. As autorizações deram-se por movimentos e atos políticos, predominando as autorizações para instituições públicas.

Nesse período de quase 200 anos, foram autorizados no Brasil e, atualmente, pertencem ao Sistema Federal de Ensino, 85 cursos de medicina, apenas. Desses, 36 cursos autorizados em instituições privadas e 49 em instituições públicas.

A partir de 1997, instrumentos de avaliação passam a ser utilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, autarquia ligada ao MEC para, em linhas gerais, efetuar os trabalhos relacionados as avaliações da educação superior e obtenção de dados para as estatísticas da autarquia e do Governo Federal.

De 1997 até 2012, os instrumentos aplicados as avaliações de autorização de cursos de medicina eram próprios e continham especial rigor, que envolvia, dentre outros, condições locais do sistema de saúde pública, fator que não estava ao alcance das instituições de educação superior resolver.

Entre 2012 e julho de 2013, o instrumento utilizado para avaliar os cursos de medicina foi o mesmo de todos os cursos de graduação, porém com adição de indicadores diferenciados, que mantinham a exigência acima da que era cobrada nas avaliações dos demais cursos.

A partir de julho de 2013, surgiu o Programa Mais Médicos, que passou, dentre outras coisas, a conduzir as autorizações de cursos de medicina. O rigor mudou de dimensão para ganhar ainda mais exigências. Passou-se a conduzir as autorizações de novos cursos mediante processo similar ao licitatório e, condições adicionais e específicas, foram impostas às cidades e às instituições.

Por fim, em novembro de 2017, mediante portaria conjunta da Presidência da República e do Ministério da Educação, a propalada Portaria 328, foi proibida a abertura de novos cursos de medicina por um período de 5 anos.

O resumo dessa história é que o Brasil tem autorizado, no Sistema Federal de Ensino, tão somente 350 cursos de medicina, dos quais, 19 ainda nem iniciaram suas atividades. É um número de cursos muito pequeno, se comparado a outros cursos da área de saúde no Brasil, como Enfermagem, por exemplo, que tem 1247 cursos autorizados ativos, ou como Farmácia, que tem 788 cursos ativos.

Não há argumento sustentável para tal diferenciação histórica de tratamento nos processos de autorização feitos pelo Poder Público.

Primeiro, pois cuidar da vida humana não é responsabilidade exclusiva ou maior do profissional médico, é igualmente de todos os profissionais que militam na área da saúde e em áreas afins. Segundo, porque os cursos de medicina autorizados no Brasil nem sempre estão nas melhores instituições de educação superior, segundo os critérios e indicadores de qualidade do INEP/MEC. Há, inclusive, cursos de medicina autorizados em instituições precárias e, em alguns casos, com denúncias estarrecedoras estampadas nos jornais televisivos.

Ora, se não se diferencia por uma especificidade única do curso e nem para se manter qualidade, só resta o entendimento de que, infelizmente, toda essa dificuldade existe para atender a anseios corporativos ou corporativistas, fato que passa longe da nobreza e da responsabilidade social.

De forma urgente, é necessário refletir sobre o tema e não aguardar que uma outra pandemia venha apresentar uma conta ainda maior para toda a sociedade brasileira.

Notícia publicada no site EMPREENDA EXITO, em 21/06/2020, no endereço eletrônico: https://empreendaexito.ig.com.br/2020-06-21/reflexao-sobre-as-autorizacoes-de-cursos-de-medicina-no-brasil-e-suas-consequencias.html


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