Com ensino remoto e crise, faculdades particulares demitem professores

FOLHA • 09 de julho de 2020

Com a continuidade das aulas remotas no segundo semestre letivo deste ano, faculdades particulares de São Paulo demitiram mais de 800 professores. As instituições afirmam que as demissões são necessárias porque enfrentam crise com a saída de alunos e aumento da inadimplência durante a pandemia do novo coronavírus.

A redução do número de alunos e as aulas online permitiram que as faculdades juntassem turmas, até mesmo de unidades diferentes, para que precisassem de menos professores. Algumas instituições também reduziram a carga horária dos docentes, em alguns casos de 40 para 12 horas-aula semanais ainda que mantenham o mesmo número de alunos.

O Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior) diz que as demissões foram necessárias já que as faculdades perderam 265 mil estudantes entre abril e maio —número 32% maior que no mesmo período do ano passado. Rodrigo Capelato, diretor-executivo da entidade, afirma que os números podem crescer ainda mais no fim do ano.

“A taxa de rematrícula para o segundo semestre deve cair, a inadimplência vai aumentar e poucos alunos devem começar algum curso no meio do ano. A perspectiva é bem ruim, e o maior gasto de uma faculdade é com o pagamento de professores”, diz.

O Sinpro (Sindicato dos Professores de São Paulo) diz ver com preocupação grande volume de demissões em algumas faculdades. Enquanto a maioria dispensou cerca de 10% do quadro de docentes, há instituições que demitiram um terço da equipe.

Segundo a entidade, a Uninove demitiu cerca de 500 professores, o que representa 30% do quadro. A faculdade dispensou parte dos docentes antes de o semestre ser finalizado e muitos só souberam da demissão por não conseguir acessar as plataformas de ensino remoto.

“Não consegui acessar o sistema nem mesmo para lançar a nota das avaliações dos alunos. Depois soube que todos fecharam o semestre com 9 ou 10”, conta um professor de Direito, que pediu para não ser identificado por medo de represália. Com as aulas remotas, ele passou a dar aulas para até três turmas ao mesmo tempo, às vezes com 150 estudantes.

Os professores contam que, desde o ano passado, a instituição já determinava que as provas só poderiam ser feitas por uma ferramenta de correção automática, com questões de múltipla escolha.

“Os alunos terminam a avaliação e a nota já sai. Assim, otimiza o trabalho e podemos ter turmas maiores. O problema é que nem todo curso ou disciplina podem ser avaliados com qualidade dessa forma”, contou Ulisses Rocha, professor de Jornalismo da Uninove, também demitido na última semana.

A Universidade Cruzeiro do Sul também demitiu cerca de 200 professores, um terço da equipe. Entre os docentes que continuam empregados, muitos receberam cartas informando que teriam redução de jornada para o próximo semestre. A diminuição de aulas também foi adotada pelo Centro Universitário Sumaré.

A UNB (União Bandeirante de Educação), que tem como proprietário o ex-dono da Uniban, também demitiu cerca de 40 professores na última semana —que dizem não terem recebido os salários dos meses em que deram aulas de forma remota.

“Só recebi um mês deste semestre e fui demitido. O reitor fez uma reunião e disse que não reconhecia as aulas online e, por isso, não pagaria”, conta um professor de Matemática que pediu para não ser identificado.

Os alunos da UNB também foram informados de que as aulas do primeiro semestre não seriam contabilizadas. “Acompanhei todas as aulas, passei noites fazendo trabalhos e atividades e depois disseram que nada tinha validade”, contou Cinthia Martins, 38, aluna de Propaganda e Publicidade.

Ela pediu transferência para outra instituição, mas a UNB não entregou o histórico escolar da estudante. “Vou ter que refazer todo esse semestre, porque eu não tenho as notas, documentação ou comprovação de que acompanhei as aulas”, conta.

JANELA DE DEMISSÕES

Pelo acordo coletivo dos professores de ensino superior, as faculdades só podem demitir ao final do semestre letivo. Caso contrário, precisam pagar a “garantia de semestralidade”, ou seja, o pagamento do salários restantes em caso de demissão sem justa causa antes do fim do semestre.

As faculdades tentaram um acordo com o sindicato para ampliar a janela de demissões até agosto excepcionalmente neste ano, o que não foi aceito. Para Capelato, as instituições podem ter demitido mais professores do que o necessário por “precaução”.

“As instituições queriam esperar o início do segundo semestre para ver quantos novos alunos ingressariam, quantos iriam trancar os cursos. Como não foi possível, elas fizeram demissões em larga escala, demitiram mais por precaução já que depois não teriam margem de manobra”, diz.

Em nota, a Uninove informou que está adotando medidas para apoiar seus estudantes durante a crise econômica e que a “reestruturação do quadro de profissionais” foi necessária para a continuidade dos serviços de educação. “Toda essa reestruturação reverterá em benefícios de nossos alunos, por meio de uma política de descontos”, diz.

Questionada, a instituição não informou quantos docentes foram demitidos e se pretende juntar turmas no próximo semestre.

A Universidade Cruzeiro do Sul também disse que o “agravamento e prolongamento da crise econômica, somados às incertezas quanto ao próximo semestre, levaram o grupo a uma adaptação de custos”. Procuradas, a UNB e o Centro Universitário Sumaré não responderam à reportagem.

Notícia publicada no site FOLHA, em 07/07/2020, no endereço eletrônico: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/07/com-ensino-remoto-e-crise-faculdades-particulares-demitem-professores.shtml


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