MEC quer condicionar repasse para estados a resultados na educação

Folha de São Paulo • 11 de julho de 2019

O governo Jair Bolsonaro (PSL) quer obrigar estados a criarem leis que condicionem a distribuição de recursos para os municípios aos resultados educacionais. A proposta prevê retenção de repasses para quem não se adequar.

A ideia de impor a distribuição de verba do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços) de acordo com indicadores de qualidade de ensino é inspirada na experiência do Ceará, que destina 18% do tributo por esse critério. O modelo cearense foi adotado neste ano em Pernambuco e está sob estudo pelos governos de São Paulo, Amapá e Espírito Santo.

A transformação dessa medida em uma política nacional faz parte da proposta levada pelo MEC (Ministério da Educação) à Câmara no âmbito da discussão do Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica.

O fundo é alimentado por impostos recolhidos por estados e municípios. A união complementa o montante com um extra de 10%.

No ano passado, o Fundeb distribuiu R$148,3 bilhões – mais de 40% do gasto do país em educação. Ele vence em 2020, e o Congresso agora avalia emenda constitucional para torná-lo permanente. As propostas em tramite na Câmara e no Senado para a renovação indicam aumento da complementação da União, chegando a percentuais que vão de 30% aa 40%.

Além de ampliação de verbas e de mudança na forma de distribuição, também está em análise a adoção de regras que vinculem a transferência de dinheiro à melhoria de indicadores educacionais.

Nesse sentido, o governo Bolsonaro propôs elevar sua contribuição dos atuais 10% para 15% e quer a inclusão de novo parágrafo na constituição para determinar aos estados que criem leis para distribuir parte do ICMS aos municípios ‘em função de índice municipal que meça a qualidade educacional”.

Os recursos dessa bonificação seriam tirados de volume disponível, o que reduziria o valor potencial para municípios com pior desempenho.

Combinado a isso, o documento sugere a retenção, a partir de 2021, de 10% relativos à contribuição para o Fundo de Participação dos Estados caso haja descumprimento sobre a criação das leis propostas pelo MEC.

A pasta diz que o objetivo é “incentivar a gestão por resultados e a implantação efetiva do regime de colaboração”. Para os críticos da ideia, ela contraria o pacto federativo e penaliza municípios com mais dificuldades, uma vez que sobram menos recursos para quem mais precisa.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) é uma das que se coloca contra a sugestão do MEC. Ela e o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) também apresentaram proposta para incluir mecanismo de distribuição de recurso a partir da evolução de resultados, mas com verbas adicionais, e não do mesmo bolo. O projeto da dupla também prevê assistência técnica dos estados aos municípios, na qual seria aplicado o dinheiro extra.

Esse apoio extra é adotado pelo Ceará, precursor do modelo e reconhecido por bons resultados nos anos iniciais do ensino fundamental.

O que está em jogo na discussão sobre o Fundeb

Mesmo com distribuição do fundeb, gasto anual por aluno é muito desigual no Brasil**

Investimentos anual por aluno

O estado usa como critério principal para a distribuição de 18% do ICMS o desempenho dos estudantes nas provas oficiais, mas também são levados em conta outros quesitos, como evasão escolar e o número de alunos fora da idade adequada para a série.

Ganham mais os municípios que obtêm bons resultados e os que, mesmo com resultados ruins, mais evoluem. A verba arrecadada como prêmio pode ser usada pelos prefeitos em qualquer área de administração.

De olho nos resultados, a gestão de Paulo Câmara (PSB) em Pernambuco decidiu neste ano replicar parte do modelo, em um plano de alfabetização que inclui a criação de uma área específica para isso na secretaria de Educação.

Além de promover treinamentos e parcerias entre escolas, o estado vai destinar os mesmos 18% do ICMS de acordo com resultados dos municípios nas avaliações oficiais. Hoje, já há um pequeno incentivo, mas ele só responde por 3% do tributo.

O secretário Fred Amancio vê a iniciativa como forma de incentivar os municípios a melhorar o ensino. “Como engajar os prefeitos? Se depender só do amor à educação, talvez não engaje todos”, diz.

Secretário-executivo da pasta da Educação da gestão João Doria (PSDB), Haroldo Corrêa da Rocha diz que o governo paulista estuda há cerca de três meses a adoção do incentivo financeiro via ICMS.

Em sua opinião, a ideia é interessante por incentivar os prefeitos a adotarem políticas com foco na melhoria de aprendizagem e não em obras, por exemplo.

Os governos do Amapá e do Espírito Santo afirmaram à Folha que também estudam a adoção da medida. Secretário-executivo de coordenação com os municípios na pasta da Educação do Ceará, Márcio Brito diz que o estado foi procurado recentemente também pelos governos da Bahia e do Maranhão, interessados em conhecer a experiência.

A imposição da medida a todas as unidades da federação, porém, encontra resistência no Congresso e entre organizações da área.

Ex-secretário de Educação do Ceará, o deputado Idilvan Alencar (PDT_CE) diz que “estão usando o nome” do estado para defender uma medida cuja implementação depende da realidade de cada ente.

“Não há consenso, e tem muitos estados e municípios que não podem perder nada”, diz. “Sou defensor do mérito, mas não acho que a gente tenha de descer nesse nível de detalhes no Fundeb”.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação encaminhou à Câmara nota em que diz considerar inconstitucional à iniciativa do MEC por ofender o federalismo e desvirtuar a lógica do Fundeb. O entendimento é similar com relação à proposta de Tabata Amaral.

“O Ideb (indicador federal de qualidade) considera só quem está dentro do sistema e a busca por resultado tem desestimulado os sistemas a incluir”, diz o coordenador geral da Campanha, Daniel Cara.

Para Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, constitucionalizar propostas específicas não é bom. “Se um estado achar uma saída melhor, efetiva e justa, não pode fechar para inovações [ao incluir uma opção na Constituição]”.

Parlamentares defendem que iniciativas particulares de indução de qualidade estejam fora da PEC do Fundeb e sejam incluídas na regulamentação do fundo ou na lei de criação de um Sistema Nacional de Educação – já em trâmite e que trata do regime de colaboração entre municípios, estados e União.

“Não sou contra avaliação de desempenho, mas não posso discutir premiação por resultado se temos um déficit da complementação da União e redes com muitas dificuldades”, diz o presidente da Comissão especial do Fundeb, deputado Bacelar (Pode-BA).

A expectativa é de que o relatório sobre o fundo seja apreciado na comissão até agosto. Se aprovado, segue para votação no plenário da Câmara. Depois, precisa ser analisado pelo Senado.

Noticia publicada no site FOLHA DE SÃO PAULO, em 10/07/2019, no endereço eletrônico: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/07/mec-quer-condicionar-repasse-para-estados-a-resultados-na-educacao.shtml


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