Formar pessoas não é a mesma coisa que fazer parafusos

SEMESP • 21 de junho de 2021

Fonte da Notícia: SEMESP
Data da Publicação original: 21/06/2021
Publicado Originalmente em: https://www.semesp.org.br/inovacao/noticias/formar-pessoas-nao-e-a-mesma-coisa-que-fazer-parafusos/

Imagem: sthembrasil

O ensino superior não é um processo mecânico de formação de pessoas, estruturado em ações repetitivas que exigem pouca reflexão. Recentemente, Paulo Blikstein fez uma relação entre educação e produção de parafusos em um diálogo com gestores do Consórcio Sthem Brasil. Uso essa relação e a reinterpreto no presente artigo. O fato é que o ensino superior não pode se limitar a processos repetitivos em que o estudante não é estimulado a aprender a aprender.

Embora exija conhecimentos, a produção de parafusos é cada vez mais processual, automatizada e repetitiva. Parafusos seguem um padrão de produção, e escolas padronizadas são um perigo para a criatividade e inovação. A educação com impacto na formação dos jovens requer o desenvolvimento de pessoas criativas que aprendem a aprender, pessoas proativas e cidadãs que buscam soluções para problemas sociais.

A educação requer, ainda, flexibilidade, individualização do aprendizado, trilhas de aprendizado, o que não é possível em um processo industrial. Se as IES permanecerem semelhantes à produção industrial do século 20, provavelmente já estão ou entrarão em crise.

Parafusos são objetos estáticos e possuem diferentes formas de uso. É preciso considerar também que há parafusos feitos por robôs que aprendem via Inteligência Artificial. A robótica avançada usa uma inteligência capaz de apreender continuamente.

Há um tom de provocação ao relacionar a educação e a produção de parafusos, porque existe um risco das IES entregarem um diploma que comprova que a pessoa concluiu o ensino superior, mas essa pessoa pode não ser capaz de corresponder às demandas do mercado de trabalho, ou mesmo não ter a competência para desenvolver um negócio próprio.

Se a dinâmica acadêmica de uma IES é estruturada por um currículo fragmentado em disciplinas, pouco interdisciplinar, conteudista, alicerçado por uma avaliação que cobra repetições e “decorebas” e por um modelo acadêmico que não estimula ações que busquem a resolução de problemas sociais, provavelmente a instituição está priorizando commodities e a “produção de parafusos”. O resultado é um conjunto de egressos com diploma, mas sem emprego ou com uma renda incompatível com a formação na graduação.

É um perigo as IES investirem mais em commodities do que na essência da educação: pessoas, formação integral, concepção do projeto acadêmico, plano sobre o que se vai ensinar e como se vai ensinar.

Quando a pandemia começou, investimos em plataformas, compramos ou aprendemos a utilizar novas tecnologias, adquirimos licenças para o uso do Zoom, do Teams, do Google Meet e atuamos para “apagar o incêndio”, tudo isso em um contexto de mudanças bruscas. Toda a parafernália que passamos a utilizar em 2020 não sustentará, no entanto, o funcionamento adequado da IES. Não se pode investir em tecnologia para resolver um problema de custo operacional. A tecnologia precisa ser uma aliada do professor e do aprendizado dos estudantes.

A IES prospera com pessoas talentosas e inovadoras em seu time. Essas pessoas são capazes de elaborar projetos consistentes e sustentáveis financeiramente. Por outro lado, se uma IES inicia um processo de transformação institucional e o primeiro foco é o resultado financeiro, na minha opinião, ela começou o processo de forma equivocada.

A organização acadêmica de uma IES está mais complexa. Não basta uma plataforma, um currículo, professores titulados, infraestrutura bonita, entre outros commodities. Aliás, na atualidade, os resultados do ENADE e do IGC não representam a garantia de sucesso da IES.

As IES precisam de gestão e pessoas capazes de desenhar o modelo acadêmico de forma sintonizada com as demandas dos estudantes, dos egressos, dos pais, dos empregadores, dos agentes públicos, enfim, da sociedade. Isso exige inteligência institucional, uma “engenharia pedagógica”.

A instituição que continuar oferecendo commodities sem valor agregado, provavelmente corre o risco de consolidar sua imagem como uma instituição convencional e pouco relevante, o que pode gerar perda da relevância.

Há dirigentes de IES que já começaram a se mobilizar e estão investindo em inovação acadêmica de forma adequada. São líderes que sabem que não dá para formar pessoas como se produz parafusos, em um processo industrial, para entrarem em medidas convencionais, padronizadas. Por outro lado, é preciso aproveitar as ferramentas tecnológicas da revolução digital para acompanhar e qualificar o processo de aprendizagem dos estudantes.

*Fábio Reis, diretor de Inovação e Redes do Semesp


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