Mais Médicos: perspectivas aos grupos educacionais com novo edital do MEC

CONJUR • 07 de dezembro de 2023

Fonte da Notícia: CONJUR
Data da Publicação original: 07/12/2023
Publicado Originalmente em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-07/mais-medicos-perspectivas-aos-grupos-educacionais-com-novo-edital-do-mec/

No competitivo mercado da educação superior, o curso de medicina brilha como uma das estrelas mais reluzentes. Por essa razão, as grandes empresas do setor estão ávidas pelo novo edital de chamamento público de mantenedoras do Ministério da Educação (MEC). Esse edital promete abrir as portas para a instalação de mais de cem cursos de medicina no Brasil, e o atrativo é evidente, especialmente quando se compara o custo com as vultosas quantias despendidas em fusões e aquisições, que podem ultrapassar a marca dos R$ 2 milhões por vaga em cursos de graduação.

Para os grandes grupos educacionais, esse chamamento público representa uma oportunidade única. Muitos deles administram não apenas um, mas diversos cursos de medicina, além de existirem várias instituições de ensino e mantenedoras sob sua tutela. Com muitas mantenedoras sob sua égide, em teoria, eles poderiam apresentar diversas propostas, mesmo considerando a limitação de duas propostas por mantenedora estipulada no edital. Ao usar seus cursos de medicina, que também não são poucos, essas instituições acumulariam pontuações significativas em relação à experiência regulatória.

Entretanto, pairam dúvidas sobre o espaço que terão no chamamento público para a abertura de cursos em 2023. Parte dessas incertezas advém da Lei 14.133/2021, conhecida como a nova Lei de Licitações, e parte decorre do próprio edital de chamamento.

Desafios da Lei de Licitações
A lei de 2021, que foi adotada pelo edital do MEC, representa uma mudança significativa, visto que todos os chamamentos anteriores se baseavam na Lei 8.666/1993. Nesse contexto, a primeira questão que afeta os grupos educacionais decorre da alteração legislativa que agora proíbe explicitamente a participação conjunta de empresas coligadas, quando antes não o fazia:

“Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente: […] V – empresas controladoras, controladas ou coligadas, nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, concorrendo entre si;”

Empresas coligadas ou controladas são aquelas que compartilham participações societárias ou de alguma forma se vinculam ao grupo gerenciado pela empresa controladora. No Brasil, a Afya Participações S.A., por exemplo, identifica em um documento disponível na internet mais de 20 empresas coligadas que aparentemente são mantenedoras. Se for aplicada a regra acima, essas empresas não poderiam competir entre si. Assim, em um mesmo estado ou região de saúde, somente uma proposta deste importante grupo educacional poderia ser apresentada em cada estado (“unidade territorial”, nos termos do edital).

Uma interpretação alternativa poderia ser ainda mais prejudicial para eles: o edital poderia ser considerado como uma única licitação, onde o sucesso em vários estados ou regiões de saúde resultaria em uma indesejável concentração de poder de mercado. Nesse cenário, a interpretação mais plausível seria que o grupo só poderia participar como uma única mantenedora, apresentando, no máximo, duas propostas para todo o território nacional.

Essa última interpretação também estaria alinhada com a regra geral do edital, que, como mencionado, impõe essa limitação nacional de duas propostas para todas as mantenedoras interessadas.

Desafios no Edital 01/2023
Independentemente dessa questão legal, existe ainda uma incerteza pendente em relação aos termos do edital: os grupos econômicos educacionais podem ser considerados uma forma de associação equivalente a um consórcio? Se a resposta for afirmativa, eles estão proibidos de participar do chamamento. Isso se deve à disposição do Edital de 2023, que estabelece:

“5.2. Será inadmitida a participação neste processo de seleção de:
5.2.1. Consórcios de Mantenedoras, constituídos nos termos definidos pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ou, ainda, quaisquer outras formas ou institutos jurídicos que reúnam Mantenedoras para fins de apresentação de propostas”.

O consórcio é uma estrutura empresarial associativa na qual as sociedades envolvidas mantêm suas personalidades jurídicas, mas agem sob controle unificado. Embora seja uma estrutura legal, ela pode, em alguns casos, ser utilizada para manipular a concorrência. No caso dos chamamentos para cursos de medicina, por exemplo, consórcios poderiam ser formados para obter mais pontos nos critérios de qualidade e conferir uma aparência de sustentabilidade financeira a mantenedoras que, isoladamente, não atenderiam a esses requisitos.

Grupos econômicos também podem cometer tais irregularidades. Além disso, podem se enquadrar na categoria de “quaisquer outras formas ou institutos jurídicos que reúnam Mantenedoras”, citada no item 5.2.1, acima. Portanto, também estão sujeitos à exclusão sumária de participação.

Essa foi, por exemplo, a conclusão de um julgado relativamente recente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região sobre o edital de 2017, cuja ementa afirma:

“[…] CHAMADA PÚBLICA DE MANTENEDORAS DE INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DE CURSOS DE MEDICINA. EDITAL Nº 01/2017/SERES/MEC. VEDADA A PARTICPAÇÃO DE CONSÓRCIO DE MANTENEDORAS E/OU MANTIDA. INSCRIÇÃO DE CADA MANTENEDORA LIMITADA A APENAS PARA 01 MUNICÍPIO. GRUPO EDUCACIONAL. INSCRIÇÃO DE MANTENEDORAS EM TODOS OS MUNICÍPIOS CONTEMPLADOS PELO EDITAL. COMPETITIVIDADE COMPROMETIDA. VIOLAÇÃO DAS NORMAS EDITALÍCIAS, DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA E DA PROTEÇÃO AO DIREITO DOS CONSUMIDORES. DESCLASSIFICAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. […]” (TRF-1 – AC: 10032363020184013400, relator: desembargadora federal Daniele Maranhão Costa, data de julgamento: 21/7/2021, 5ª Turma, data de publicação: PJe 29/7/2021 PAG PJe 29/7/2021 PAG).

A questão tinha sido evitada, ou ao menos mitigada, em 2018. O edital de chamamento daquele ano continha uma regra sobre grupos econômicos que dizia: “Serão inadmitidas as propostas apresentadas por 2 (duas) ou mais mantenedoras pertencentes a um mesmo grupo educacional inscritas para um mesmo município” (item 5.9). No entanto, o edital atual não trouxe uma regra semelhante e reacendeu o debate jurídico.

Na realidade, essa omissão requer esclarecimentos, pois na Nota Técnica nº 22/2023/GAB/Seres/Seres, o MEC afirma que manteve “…a estrutura do chamamento anterior…” e que optou “…por destacar o que o Edital traz de novo…”, mas não menciona essa mudança nem os motivos pelos quais a regra sobre grupos educacionais foi excluída.

Se a intenção era de alguma forma reduzir as restrições, o resultado pode não ser eficaz. A ausência de regras específicas abre espaço para decisões judiciais como a mencionada anteriormente e para a aplicação direta da lei de licitações, gerando dúvidas e prejudicando até mesmo as maiores empresas do setor.

Uma solução possível?
Para resolver essa questão e eliminar uma razão para litígios durante o chamamento, o edital poderia ser modificado para permitir consórcios e, com eles, os grupos econômicos. Diferentemente da lei de licitações anterior, a Lei 14.133/2021 afirma que os consórcios só podem ser excluídos de processos licitatórios se houver uma “vedação devidamente justificada” (Artigo 15). Diante disso e da ausência de justificativa para a limitação nas notas técnicas apresentadas no site do chamamento, os consórcios poderiam — ou deveriam, na verdade — participar do chamamento.

Do ponto de vista da concorrência, isso seria possível desde que não se envolvessem em práticas irregulares, o que poderia ser evitado por regras claras, como a já mencionada do edital de 2018. Além disso, a forma de pontuação para grupos e consórcios que compartilham a qualificação de cursos e instituições de ensino em comum deveria ser detalhada. Dessa forma, a participação desses players seria transparente, e todos os interessados teriam oportunidades justas de competir pelos mais de 100 cursos que podem ser abertos a partir do Edital de Chamamento 2023.

Essa é uma questão que, sem dúvida, precisa ser cuidadosamente analisada. O assunto provavelmente será objeto de diversas impugnações que já estão sendo apresentadas, e a questão deverá ser decidida com uma resposta pública divulgada até o “último dia útil anterior à data da abertura do certame” (Artigo 164, da Lei 14.133/2021).

Em resumo, respondendo à pergunta do título deste artigo: a perspectiva para os grupos econômicos não é favorável. Diante da Lei e de suas disposições sobre controladoras e coligadas, um entendimento estrito do MEC ou do Poder Judiciário poderá restringir sua participação a uma única proposta. Mesmo com uma interpretação mais flexível, limitando apenas a participação por estado, os mais de cem cursos em chamamento provavelmente seriam distribuídos entre muitas mantenedoras menores, criando uma verdadeira revolução no mercado.

Isso pode parecer positivo em termos de competição, mas a falta de normas específicas no edital certamente gerará incertezas jurídicas, resultando em litígios e atrasos nos resultados. Portanto, pequenas mudanças no edital podem permitir uma revolução mais eficaz, e isso deveria ser do interesse, inclusive, dos grandes grupos educacionais.


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