REVISTA ENSINO SUPERIOR • 23 de julho de 2025
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
Data da Publicação original: 18/07/2025
Publicado Originalmente em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/07/18/nr-01-ies-devem-enfrentar-transtornos-psicologicos/
Por Raul Galhardi
O Brasil vive uma epidemia de transtornos mentais provocados pelo trabalho. Dados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) mostram que as licenças médicas relacionadas a problemas psicológicos crescem exponencialmente no país como resultado do aumento da informalidade, da instabilidade financeira – consequência do aumento do custo de vida e da precarização dos empregos – e de sequelas da pandemia de covid-19.
Segundo dados do Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais em 2024, o que representa um crescimento de 68% em relação ao ano anterior e o maior número de casos desde 2014. A área da educação é uma das mais afetadas, sendo a sobrecarga de trabalho, o acúmulo de funções com a redução de equipes, a alta quantidade de alunos por sala de aula, e a falta de apoio psicológico nas instituições de ensino, alguns dos problemas que acometem o sistema educacional brasileiro.
“Para as instituições de ensino, que lidam com uma variedade de profissionais (professores, administrativos, técnicos de laboratório, terceiros etc.), há uma dinâmica de interação constante. Os fatores de riscos psicossociais podem ter impacto significativo com consequências como adoecimento e absenteísmo; baixa produtividade e engajamento; e dificuldade em reter talentos (turnover)”, afirma Roberta Lins, advogada especialista em direito educacional e consultora jurídica do Semesp.
De acordo com a “Pesquisa sobre a Qualidade de Professores e Aprendizado no Brasil” da Fundação Getulio Vargas (FGV), os professores são o fator intraescolar que mais impacta a aprendizagem dos estudantes. Eles são responsáveis por 65,7% do resultado de aprendizagem no ensino fundamental e 47% no ensino médio, o que significa que as suas ausências por licenças médicas comprometem todo o aprendizado dos alunos e o cumprimento do calendário acadêmico das instituições de ensino.
Para entender o cenário atual, Seiji Uchida, psicólogo clínico do trabalho, doutor em psicologia e sócio-fundador do Instituto Trabalhar, explica que nas décadas de 90 e 2000 verificou-se uma tendência nas empresas de enxugamento das suas estruturas, o que acabou resultando em uma sobrecarga de trabalho para os funcionários que não foram desligados de seus empregos.
“No modelo fordista, baseado na produção, uma empresa possuía até 32 graus hierárquicos. Com a adoção pelas empresas do foco no serviço, elas passaram a ter entre oito e nove graus de hierarquia. Essa redução das equipes, entretanto, resultou na distribuição, entre os empregados que restaram, do trabalho daqueles que foram demitidos levando a jornadas de trabalho de dez a doze horas por dia”, analisa Uchida.
Nesse modelo empresarial a ideia é, portanto, fazer mais com menos e ser um funcionário comprometido significa, segundo essa ideologia, trabalhar cumprindo jornadas exaustivas para mostrar serviço. O problema é que, com a normalização dessa situação de precarização, ao longo das décadas, a capacidade das defesas mentais dos indivíduos contra a exigência de produtividade excessiva foi sendo gradativamente destruída até gerar o quadro em que o país se encontra hoje, com trabalhadores deprimidos, exaustos e sem motivação.
Atualização da NR-01
Diante desse cenário, no ano passado, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da portaria 1.419/2024, decidiu atualizar a NR-01 (norma regulamentadora nº 1), um dos principais instrumentos da legislação trabalhista cuja função é garantir a saúde e segurança no ambiente de trabalho, precursora das diretrizes gerais na aplicação de todas as Normas Regulamentadoras (NRs).
“A atualização da NR-01 foi motivada por uma crescente e alarmante preocupação global e nacional com a saúde mental no ambiente de trabalho, bem como pela necessidade de integrar de forma mais explícita os riscos psicossociais e a ergonomia no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Essas mudanças também se alinham à Agenda 2030 da ONU, que trata dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, explica Roberta, consultora jurídica do Semesp.
Segundo a advogada, agora, a NR-01 demanda que as instituições considerem as condições de trabalho que podem gerar estresse, adoecimento mental e físico, como cargas de trabalho excessivas, pressão por resultados, relações interpessoais tensas e falta de apoio. “Mesmo que a doença não seja causada diretamente pelo trabalho, a norma enfatiza a responsabilidade da instituição caso ela seja agravada pelo ambiente laboral”, destaca.
O que muda para as IES
Para entrar em conformidade com as novas regras, as instituições de ensino superior deverão realizar algumas mudanças nas relações e sistemas de trabalho. Fabiane Vilar, engenheira eletricista e de segurança do trabalho especialista em EHS (sigla para “Meio Ambiente, Saúde e Segurança” em inglês), recomenda a criação de um comitê multidisciplinar nas universidades com representantes das áreas de segurança do trabalho, medicina, RH, jurídica e pessoas-chaves de cada setor capazes de conhecer as rotinas setoriais, observar o comportamento dos trabalhadores e analisar os históricos de cultura e registros estatísticos de saúde e acidentes de modo a mapear seu inventário de maneira holística.
“O apoio de consultores externos como psicólogos, ergonomistas, engenheiros de segurança pode ser necessário, sendo recomendado o mapeamento de cada atividade dos docentes, manutencistas, coordenadores, atendentes etc.”, diz a especialista.
A NR-01 estabelece medidas preventivas que vão desde mapeamento de fatores de riscos a treinamentos para o desenvolvimento de habilidades comportamentais que promovam uma sinergia para um ambiente de trabalho saudável, seguro e humanizado. “Para atender às exigências da norma, a instituição de ensino deverá trabalhar em um plano de ação que envolva: mapeamento de riscos psicossociais; transformação de dados em planos estratégicos e implementação de ações personalizadas para mitigação”, afirma Silvana Lusia Pires, psicóloga organizacional e gestora de pessoas da Associação de Ensino de Marília, mantenedora da Universidade de Marília (Unimar).
Dentro desse plano de ação, a gestora destaca que é preciso realizar a identificação dos riscos e fatores psicossociais presentes na instituição; a análise e avaliação dos riscos, com a classificação da gravidade de cada um visando priorizar as ações conforme os fatores mais críticos; o planejamento de ações preventivas como palestras sobre saúde mental, rodas de conversa e capacitação de líderes e equipes; o monitoramento constante das ações implementadas; e a criação de um canal de denúncias eficaz para os funcionários.
Ela lembra que em 2024 a universidade recebeu a certificação “Lugar Incrível para Trabalhar”, concedida pela FIA Business School e pelo jornal Estadão, que avaliaram a empresa com base em nove índices. Em relação à adequação à NR-01, ela diz que a instituição já elaborou um “Plano de Gestão da Saúde Mental” cujas competências a serem trabalhadas se baseiam nos três pilares da saúde mental: prevenção, percepção e tratamento.
O projeto está estruturado em cinco eixos: institucionalização, que visa assegurar o compromisso da alta administração com as ações do programa; mapeamento, para identificar setores e funções com maior exposição a riscos psicossociais; aplicação de metodologias de avaliação, quando serão usados questionários padronizados, entrevistas e grupos focais para coletar percepções dos trabalhadores; capacitação das equipes para a correta gestão dos riscos psicossociais; e o monitoramento contínuo com a criação de ferramentas para coletar feedbacks recorrentes e revisar a eficácia das medidas adotadas.
Já o Grupo Marista, do qual faz parte a PUCPR, possui soluções implementadas que ampliam seus programas de apoio emocional e gestão de estresse para atender às novas exigências da NR-01, informa Cátia Oliveira, gerente de recursos humanos da PUCPR.
“Temos uma área especializada em bem-estar que investe em uma abordagem ampla e integrada de cuidado com o colaborador, oferecendo programas voltados ao bem-estar integral. Entre as iniciativas, cito como exemplo: atendimentos psicossociais; ações internas de promoção da saúde, como rodas de conversa, palestras e dinâmicas de autocuidado; campanhas temáticas (Corrida Bem-Estar Marista, Câncer Além das Cores, Saúde Financeira e Setembro Amarelo); e apoio contínuo à saúde mental, com escuta especializada, ações preventivas e encaminhamentos, quando necessário”, explica a gerente.
Adiamento da NR-01
Entre as consequências da não observância às diretrizes da NR-01 estão a autuação da instituição de ensino; a instauração de processos administrativos perante os órgãos fiscalizadores; o recebimento de multas; a interdição das atividades; além da possibilidade de ações judiciais no âmbito da Justiça do Trabalho.
No entanto, as atualizações do dispositivo, que iriam entrar em vigor em maio de 2025, tiveram sua aplicação adiada por um ano até maio de 2026 após pressão das empresas e decisão do MTE. Agora, a regulamentação passará por um período de implementação e nenhuma empresa dentro deste período poderá sofrer reprimendas por não cumprir as regras.
“De acordo com a nota da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde 2025), entendemos que a falta de segurança jurídica e técnica sobre a matéria, somada à falta de clareza do que realmente as empresas devem atender nesse primeiro momento, trouxe a essa mudança da NR-01 uma insegurança técnica, em razão da qual as empresas não sabem o que devem verificar e cumprir, enquanto a auditoria fiscal do trabalho não sabe o que cobrar. Portanto, esse tempo para adaptação se fez necessário”, afirma Silvana, gestora da Unimar.
Entretanto, para que esse período seja produtivo, ela afirma que é essencial que os órgãos reguladores, empresas, instituições e a própria classe trabalhadora enxerguem esse intervalo como um momento de preparação ativa e não de inércia. “Fazer gestão de riscos psicossociais no trabalho deve ir muito além do cumprimento de uma legislação. Ela deve ser considerada como um investimento estratégico para as organizações, pois, ao desenvolver práticas que promovam o cuidado e bem-estar do funcionário, a cultura organizacional é fortalecida e os reflexos psicossociais são potencializados de maneira positiva, criando um ciclo harmonioso, sustentável e produtivo”, conclui.
Ergonomia e saúde mental |
||||||||||||||
A ergonomia é essencial para a manutenção da saúde mental dos trabalhadores e se divide em três principais áreas: física, cognitiva e organizacional, cada uma focada em aspectos específicos do trabalho e do bem-estar dos empregados. – Física: relacionada às condições biomecânicas e fisiológicas do trabalho. Envolve a análise de posturas, movimentos repetitivos, levantamento de cargas e uso de equipamentos para reduzir o esforço físico e prevenir lesões; – Cognitiva: foca os processos mentais envolvidos no trabalho, como atenção, memória, tomada de decisão e carga mental. Busca minimizar fatores como estresse, fadiga mental e dificuldades de concentração, garantindo um ambiente que favoreça o desempenho e a produtividade; – Organizacional: analisa a estrutura e cultura da empresa, clima organizacional, políticas internas, carga horária, comunicação e liderança. O objetivo é criar um ambiente de trabalho mais equilibrado, reduzindo conflitos e aumentando a satisfação dos trabalhadores. “Apesar de a CLT e as NRs 05 e 17 tratarem de assédio e fatores ergonômicos laborais (também identificados como psicossociais), foi necessária a atualização da NR-01 para tornar obrigatória a inclusão dos riscos físicos, químicos, biológicos e psicossociais no Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR)”, afirma Fabiane Vilar, engenheira eletricista e de segurança do trabalho especialista em EHS (sigla em inglês para “Meio Ambiente, Saúde e Segurança”). Ela ressalta que o PGR deve conter um plano de controle e prevenção aos riscos e que ele é um documento vivo que deve ser atualizado a cada dois anos ou sempre que houver mudanças. Abaixo, seguem exemplos elencados por Fabiane Vilar de como combater determinados riscos psicossociais com sugestões de planos de ações: Abaixo, seguem exemplos elencados por Fabiane Vilar de como combater determinados riscos psicossociais com sugestões de planos de ações:
|