A desvinculação dos recursos da educação

O GLOBO • 29 de outubro de 2019

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Aprovada a reforma da Previdência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, de novo dá indícios de que o governo apresentará uma Proposta de Emenda Constitucional ao Congresso para acabar com a vinculação orçamentária de recursos para a saúde e educação. Um dos argumentos de economistas que defendem a medida é que as regras atuais estariam engessando, de forma excessiva, o poder de gestores dos executivos federal, estaduais e municipais de redirecionarem recursos públicos para outras áreas e ajustarem contas públicas.

Hoje, a Constituição Federal obriga a União a gastar, no mínimo, 18% de da receita de impostos com educação. Para Estados e municípios, este percentual aumenta para 25%. Proteger a educação da má escolha dos governantes vinculando recursos para o setor não é uma prática nova. A Constituição de 1934 já previa percentuais mínimos para a área, e eles foram sendo ora ampliados, ora retirados, em sucessivas mudanças da Carta ao longo do século 20. Os atuais percentuais foram definidos pela Constituição de 1988, mas um dos maiores marcos dessa legislação veio cinco anos antes, com a aprovação, em 1983, da Emenda Calmon, que já estabelecia os percentuais de 25% para Estados e municípios, e estipulava 13% para a União.

E foi justamente na década de 80, após a aprovação da Emenda Calmon, que o país deu um dos maiores saltos no aumento da proporção do PIB investido em educação, de acordo com dados levantados pelo economista Paulo Maduro Júnior na tese “Taxas de Matrícula e Gastos em Educação no Brasil”. Ao refazer uma série histórica desde 1933, o trabalho mostra que foi só a partir de meados da década de 80 que o país ultrapassou e consolidou um patamar de investimento superior a 3% do PIB (o salto foi de 2,4% em 1984 para 3,8% em 1990). A Emenda Calmon não é a única explicação para isso. Cabe lembrar que este também foi o período de redemocratização, e no qual o crescimento populacional ainda ocorria em ritmo muito mais forte do que o de hoje, gerando demanda por mais vagas na escola.

Não foi em vão o esforço que o país fez para ampliar matrículas. De 1981 até hoje, a proporção da população de 4 a 17 anos fora da escola caiu de 35% para menos de 5%, ao passo que o gasto público continuou aumentando, também graças a mecanismos como o Fundef e o Fundeb. A maior escolarização pode não ter nos levado ao patamar de qualidade que desejamos, mas teve impactos significativos na redução do analfabetismo, do crescimento populacional, da mortalidade infantil, entre outras variáveis fora da escola impactadas pela educação.

No mundo ideal, políticos brasileiros comprometidos com o interesse público não precisariam de leis os obrigando a gastar com educação. Com mais liberdade, tomariam decisões melhores, sem comprometer o atendimento numa área tão vital. Na prática, é difícil de imaginar esse cenário por aqui. Do ponto de vista das escolhas imediatas, há uma perversidade a mais no caso da educação: seus resultados são menos vistosos no curto prazo. Ruas com buracos, hospitais sem médicos, ou um dia sem coleta de lixo e transporte coletivo têm impacto imediato na popularidade de um gestor. Escolas funcionando em condições inadequadas ou com qualidade insatisfatória têm bem menos apelo. A diferença é que o custo da omissão no presente é pago por gerações.

Notícia publicada pelo O GLOBO, em 28/10/2019, no endereço eletrônico: https://blogs.oglobo.globo.com/antonio-gois/post/desvinculacao-dos-recursos-da-educacao.html


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