A expansão da educação a distância: reflexões sobre políticas públicas e desafios privados

ABMES • 06 de novembro de 2019


Oscar Hipólito
Professor Titular da USP, ex-reitor da Universidade Anhembi Morumbi

Apoiado no avanço da tecnologia digital, o ensino superior brasileiro a distância que vem crescendo ano a ano a taxas elevadas, tem permitido que cada vez mais brasileiros sejam incluídos em cursos superiores, o que não deixa de ser uma boa notícia, especialmente em um país carente de pessoal de nível superior. Não há a menor dúvida de que o Brasil precisa do ensino a distância para poder atingir as metas de escolaridade superior de sua população. De acordo com dados do Censo da Educação Superior de 2017, divulgado pelo INEP/MEC, a educação a distância, EAD, que praticamente inexistia há quinze anos, já responde pelo percentual de 21,2% do total das matrículas na graduação. Enquanto em 2001, apenas 5.359 estudantes estavam matriculados na modalidade de cursos a distância, em 2017, último dado oficial do MEC, esse número se multiplicou por 328 vezes, saltando para 1.756.982 alunos, um crescimento vertiginoso.

Cenário da Educação Superior a Distância

O cenário da educação superior em 2017, mostra que há no Brasil um total de 2448 Instituições de Ensino Superior (IES), sendo que 2152 (87,9%) são privadas e 296 (12,1%) públicas. Desse total, apenas 258 (10,5%) estão credenciadas e oferecem cursos de graduação a distância. Destas, 64,7%, ou seja, 167 IES são privadas e estão uniformemente distribuídas entre as três categorias da organização acadêmica: Universidades, Centros Universitários e Faculdades. Entre as 91 IES públicas existentes, há predominância total de Universidades (29,1%), ausência de oferta de ensino a distância em Centros Universitários e apenas 6,2% são Faculdades.

Quanto aos cursos oferecidos pelas IES, 78,1%, ou seja 1646, pertencem ao setor privado, e estão concentrados nas Universidades, um valor proporcionalmente maior do que o correspondente aos cursos presenciais onde 70,1% do total são oferecidos pela rede privada.

Em relação ao número de alunos matriculados no ensino a distância, o setor privado é responsável por 90,6% do total, concentrados em sua grande maioria nas Universidades, 59,4%. Essa é uma diferença quando comparamos com a modalidade presencial onde as Universidades privadas e públicas tinham praticamente os mesmos percentuais do total de matrículas, isto é, 25,7% e 24,1% respectivamente.

A partir do Censo, é interessante observar também que há uma forte concentração de matrículas em algumas poucas Instituições privadas. Apenas 10 delas detêm 71,2% (1.252.360) dos alunos e, curiosamente, uma única Instituição é responsável por 20,4% (358.336) do total de estudantes. Além disso, mais da metade das IES, 53,5% do total, tem menos do que a média nacional de 833 alunos cada. Seria essa concentração salutar para o bom desempenho das atividades acadêmicas e consequentemente para o mercado de EAD? Qual a dificuldade que as IES de pequeno e médio portes têm para penetrar nesse mercado tão concentrado e competitivo?

Matrículas no ensino a distância por área do conhecimento

A tabela a seguir mostra o número de alunos matriculados nas diversas áreas do conhecimento e os percentuais nos setores público e privado.

Nas IES públicas predomina a área de Educação com a grande maioria dos matriculados, 66,5% de seu total, e entre as privadas, as áreas de Educação e Ciências Sociais, Negócios e Direito são responsáveis por 81,3% das matrículas desse setor.

A área de Saúde e Bem-Estar Social somente é oferecida pelo setor privado e é a 3ª maior área em número de estudantes. Em geral, entre públicas e privadas, as áreas de Educação e Ciências Sociais, Negócios e Direito são responsáveis por 81,7% do total de matriculados. Incluindo Saúde e Bem-Estar Social esse percentual sobe para praticamente 90% dos alunos, indicando uma forte concentração da oferta de ensino a distância nessas três áreas do conhecimento. Em relação aos cursos, apenas 5 deles, Pedagogia, Administração, Ciências Contábeis, Serviço Social e Gestão de Recursos Humanos, são responsáveis por 53,5% do total de matrículas no EAD.

Novamente vemos uma concentração de alunos em poucas áreas do conhecimento, especialmente naquelas que não requerem grandes investimentos para a oferta de cursos. Será que uma distribuição mais homogênea de áreas de conhecimento/cursos não favoreceria a competição para a melhoria da qualidade acadêmica? A quem caberia estimular a diversificação da oferta? Por outro lado, a guerra de preços que vem ocorrendo, deteriorando o mercado e comprometendo o sistema não seria estancada se houvesse um melhor equilíbrio entre as áreas?

O mercado de ensino a distância

Com um sistema concentrado e uma competição exacerbada por preços, o ensino

a distância está vivendo um círculo vicioso perverso que remonta ao início dessa modalidade. A baixa qualidade do ensino a distância oferecido no início das atividades gerou um descrédito na sociedade que pressionou os preços para baixo. Então, a sustentabilidade financeira dos cursos só foi possível para grande escala o que, além de não melhorar a qualidade acadêmica, acabou por estimular e acirrar ainda mais a competição por preço. Guardadas as devidas proporções, essa situação encontra paralelos em outros setores do mercado e vem ocorrendo no país nos últimos anos. Por exemplo, nos casos da aviação civil e do frete dos caminhoneiros o grau de dificuldades é muito similar.

Outro fato foi que essa competição ancorada em preço desencadeou um processo de substituição de professores qualificados por outros com menor valor por hora aula, uma constante que vem se repetindo a cada semestre. Uma prática que, apesar de solucionar momentaneamente questões de custos, acabou impactando negativamente nos resultados acadêmicos.

Em 2017, apenas 2,4% dos cursos de EAD alcançaram o conceito 5 enquanto na modalidade presencial, a pontuação máxima da prova foi alcançada por 6,1% dos cursos.

A maioria dos cursos de EAD (45,7%) posicionou-se nos conceitos 1 e 2, considerados insatisfatórios pelo Ministério da Educação, quando pela própria composição relativa dos conceitos deveria ter seu máximo centrado no conceito 3.

Com este cenário, o que acontecerá com o mercado de EAD? No modelo praticado atualmente, como conciliar grande quantidade de alunos com qualidade acadêmica? Claro que não existe respostas simples para questões complexas. Nos oito anos à frente da área acadêmica da Laureate, com foco na aprendizagem dos estudantes, utilizando Learning Analytics e Data Science com o apoio da Numbers Talk ( www.numberstalk.net) as matrículas aumentaram e os indicadores acadêmicos melhoraram significativamente em todas as instituições. Em uma quebra de paradigmas, mostramos que quantidade e qualidade podem andar juntas. Entretanto, no caso específico do EAD há uma componente a mais, o baixo preço praticado nas mensalidades escolares que pode comprometer a qualidade.

Outros desafios a enfrentar são as altas taxas de evasão que vem crescendo ano a ano e chegou a 46% em 2017 e os baixos índices de titulação, onde mais de 60% dos alunos não completam o curso no tempo previsto. Além de perder grande quantidade de estudantes, os que permanecem não conseguem completar o curso no prazo programado. São dois eventos que têm forte correlação com o engajamento do aluno e a qualidade acadêmica dos cursos oferecidos.

Reflexões sobre política públicas

O Ministério da Educação certamente está atento à essas questões e deverá estimular o crescimento do ensino a distância em todas as áreas do conhecimento para que a “explosão” desta modalidade redunde no aparecimento de cursos de alta qualidade e que sejam referências técnica e acadêmica – iniciativa importante em defesa da formação qualificada do estudante.

O ponto é que, para países continentais como o Brasil, o ensino a distância é uma solução necessária e muito importante. O EAD tem inclusive o potencial de ajudar o País a se consolidar como potência econômica global gerando oportunidades para o aperfeiçoamento do conjunto de habilidades de nossas futuras gerações. Nesse sentido, é necessário que haja maior participação do setor público no oferecimento de cursos nessa modalidade de ensino uma vez que sua participação até agora tem sido periférica, contando com apenas 9,4% do total de alunos matriculados em 2017.

É senso comum que não se constrói uma nação sem educação de qualidade. Agora é hora de formar profissionais qualificados, com educação superior, para que possam crescer junto com o País. Um dos grandes desafios da educação brasileira, neste momento, está na expansão do ensino superior. É neste sentido que o EAD pode dar uma importante contribuição, ampliando o potencial de acesso dos brasileiros à universidade, especialmente em estados e municípios com maior dificuldade de mobilidade para os estudantes. Estamos em um momento mais do que apropriado para revisitar nossos modelos acadêmico e de gestão administrativa, utilizando Data Science e Analytics com o objetivo de apoiar essa tendência favorável no ensino superior.

Zelar pela qualidade do ensino e expandir a oferta de cursos a distância são tarefas essenciais para que o Brasil continue caminhando a passos largos para se tornar um país mais próspero e mais preparado para enfrentar os desafios do seu desenvolvimento.

Notícia publicada no ABMES, em 06/11/2019, no endereço eletrônico: https://blog.abmes.org.br/a-expansao-da-educacao-a-distancia-reflexoes-sobre-politicas-publicas-e-desafios-privados/


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