Por Paulo Chanan "Um novo ciclo para a educação superior: massificar a individualização"

ABRAFI • 22 de dezembro de 2025

Fonte da Notícia: ABRAFI
Data da Publicação original: 22/12/2025
Publicado Originalmente em: https://www.abrafi.org.br/

*Por Paulo Chanan

Um novo ciclo para a educação superior: massificar a individualização

Nos últimos tempos, as instituições de educação superior (IES) se acostumaram a direcionar seu foco e energia de captação para um público específico: egressos recentes do ensino médio, em especial estudantes que acabaram de concluir a etapa final da educação básica. Contudo, os dias atuais revelam um cenário de transformação demográfica e social para o qual poucas instituições têm efetivamente se preparado: o acesso ao ensino superior por pessoas que estão há muito tempo fora da escola.

Essa desconexão entre a realidade brasileira e o que as instituições têm trabalhado incide em dois pontos centrais da captação de novos alunos: primeiro, deixa escapar uma parcela significativa de possíveis ingressantes; segundo, ao não estarem preparadas para lidar com indivíduos que possuem dificuldades e demandas específicas, acabam contribuindo para a evasão (e a consequente perda do esforço de captação).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país conta com mais de 56 milhões de pessoas, a partir de 14 anos, com ensino médio completo. Esse universo inclui milhões de potenciais graduandos que, por diferentes razões, não seguiram para a educação superior imediatamente após a saída da educação básica. Em geral, são pessoas que almejam retomar os estudos para mudar de profissão, alcançar uma promoção ou simplesmente realizar um sonho antigo.

Além disso, o último Censo da Educação Superior, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), deu conta de que, entre 2015 e 2024, houve um avanço significativo de graduandos com idades entre 40 e 59 anos, totalizando mais de 15% dos matriculados. Da mesma maneira, pessoas que se declaram pardas já somam mais de 30%, sendo a raça que mais cresceu nos últimos dez anos. Outro dado de suma importância é que as mulheres representam 60% do matriculados.

Resumindo: mulheres, entre 40 e 59 anos e que se declaram pardas é o perfil que deve predominar na educação superior nos próximos anos. Pergunta-se: as instituições estão trabalhando para atender às demandas desse público ou seguem focadas apenas em satisfazer aos egressos do ensino médio?

Preparar-se para receber esse público exige mais do que ofertar vagas: demanda acolhimento, flexibilidade, adaptação pedagógica e sensibilidade institucional. São pessoas que tendem a ter rotinas mais apertadas, com trabalho, família, responsabilidades e, eventualmente, menor familiaridade com tecnologias e metodologias modernas de estudo. Isso significa repensar desde o acesso, a comunicação, o apoio acadêmico, até o suporte psicológico e administrativo.

Sem esse redesenho, o risco de evasão é alto, especialmente no formato a distância (EAD). Grande responsável pela ampliação das matrículas nos últimos anos, a educação a distância mostra-se mais atrativa e acessível exatamente para esses brasileiros. Contudo, é amplamente sabido que os alunos da EAD têm permanência média menor do que os de cursos presenciais, mesmo considerando apoio financeiro ou participação em atividades complementares. No geral, a evasão na educação a distância é três vezes maior que no ensino presencial.

Além disso, não se pode esquecer das mudanças no cenário regulatório. Com o Decreto 12.456/2025, o ensino a distância passou a ter regras mais rígidas: de estrutura física, qualidade de corpo docente, mediação pedagógica, entre outras. Essa regulamentação, embora necessária e positiva para elevar a qualidade do formato, pode trazer desafios adicionais para a oferta de EAD a públicos adultos e já inseridos no mercado, como a elevação dos preços das mensalidades e a diminuição da oferta.

Dessa forma, é essencial que as instituições não apenas ofereçam cursos, mas também planejem um atendimento diferenciado para quem decide voltar a estudar depois de anos: com metodologias adequadas, tutoria personalizada, apoio tecnológico, modulação de ritmo e atenção às particularidades desse público.

É preciso massificar a individualização, ou seja, aplicar estratégias em larga escala para atender às necessidades e preferências únicas de muitos indivíduos simultaneamente. Trocando em miúdos, é tornar disponível para massas um tratamento individualizado. Se no passado isso era utopia, com as tecnologias atuais, especialmente a inteligência artificial, essa tarefa passou a ser factível e urgente para que os negócios educacionais não percam competitividade e interesse em suas ofertas.

Sabemos que o futuro da educação superior passa por modelos mais flexíveis, mais inclusivos e desenhados para uma sociedade em transformação. Pessoas que voltam a estudar trazem experiência de vida, maturidade, clareza de objetivos e, muitas vezes, urgência de resultado. Essas características podem enriquecer o ambiente acadêmico e profissional, aumentar a empregabilidade, fomentar inovação, e contribuir para a mobilidade social.

Além disso, atender a esse perfil não é apenas uma estratégia de mercado: é uma missão social. Em um país com históricos de desigualdades regionais, raciais e econômicas, abrir as portas da educação superior, de forma acolhedora e adaptada, é um passo concreto na direção de desenvolvimento humano, equidade e justiça social.

Se bem desenhada, uma IES que aposta nesse público adulto e diferenciado não apenas amplia seu potencial de matrículas, mas se torna protagonista no esforço nacional de ampliar o capital humano, de democratizar o acesso e de tornar o ensino superior um instrumento real de mobilidade e inovação.

Em suma: as instituições de educação superior precisam expandir sua visão. O Brasil de hoje não é feito apenas por jovens saindo do ensino médio: é composto por adultos com experiências, por trabalhadores que desejam recomeçar, por cidadãos que buscam reinvenção. Preparar-se para acolher esse público é um passo estratégico e ético que as IES bem-sucedidas de amanhã certamente darão.


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