Governo do PT não avaliou modalidade como deveria, diz ex-ministro de Dilma

O GLOBO • 06 de novembro de 2019

O educador e ex-ministro Renato Janine Ribeiro Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo

Ministro da Educação durante o governo Dilma Rousseff, o educador Renato Janine Ribeiro diz que gostaria de ter desenvolvido um modelo em rede para a educação federal à distância no Brasil. Segundo Janine, o país aproveita mal a principal virtude da EaD, de "não estar presa à geografia".

Em entrevista ao GLOBO, ele critica a possibilidade de autorregulação do setor privado, defendida pelo atual ministro, Abraham Weintraub, e afirma que as avaliações do ensino à distância deveriam ter sido mais rigorosas durante os governos petistas.


Em entrevista recente, o senhor afirmou que gostaria de ter dado um padrão e excelência ao ensino superior federal à distância. Por quê?

Penso que a EaD em nível superior é muito importante para atender algumas situações, por exemplo, quem não fez faculdade na idade certa, tem 30 anos ou mais. Dos 22 aos 24, não acho tão positivo porque acho importante o contato vivencial. Em localidades onde não há ensino presencial ou de qualidade acho positivo para qualquer idade. No caso do ensino federal, temos 63 universidades, e há muitas que estabeleceram cursos à distância que já existiam em outras instituições. Mas o ensino à distância não precisa estar preso à geografia. Se uma pessoa mora no Rio, não precisa fazer ensino à distancia em uma universidade fluminense, pode fazer um ensino à distância administrado em rede por um conjunto de universidades federais, e esse seria o melhor curso possível.

O senhor tinha um projeto nesse sentido?

Minha ideia era unir os cursos à distância das federais, ter um ou dois de cada carreira. Só autorizaríamos instituições que tivessem conceito máximo. Temos condições de ter uma quantidade gigantesca de alunos. Esse modelo poderia ser expandido para fazer de modo que todo aluno que obtivesse uma nota mínima (a ser definida) no Enem, e se viesse de escola pública, teria direito a uma vaga no ensino à distância. Teríamos a meta de garantir que toda pessoa que vem da escola pública tivesse direito ao ensino superior. Em vez de ter dezenas de cursos à distância nas federais, teríamos um curso muito bom ministrado em rede, com os melhores professores do Brasil, contaríamos com todas as universidades.

O setor privado concentra a maioria das matrículas de EaD. O país deixou a modalidade na mão desse setor?

A grande maioria das matrículas do ensino superior em geral está no setor privado. Se o setor privado fizer bem esse trabalho, está ótimo. A única questão é garantir a qualidade tanto no setor privado quanto no público. No caso do setor público, não é que ele tenha deixado a educação à distância de lado, mas usou pouco a sua rede, que consiste em pegar os melhores professores de várias instituições diferentes e fazê-los trabalhar em conjunto. Essa é a virtude do virtual, o setor público usou pouco isso, poderia ter usado mais.

Recentemente, o senhor criticou os acenos de Jair Bolsonaro à EaD...

Na época da campanha eleitoral, critiquei a ideia de usar EaD para alfabetização, ensino à distância para uma criança pequena é uma loucura sem pé nem cabeça. Nesse sentido, dar ensino à distancia muito cedo não faz sentido, porque é a idade de socialização. O professor é uma espécie de substituto do pai, a criança está aprendendo a sair de casa, conhecer a sociedade, além do fato de que não funcionaria também no sentido pedagógico.

O ministro atual fala sobre autorregulamentação do setor privado. Qual é a sua opinião?

O Brasil avançou muito na pós-graduação, por exemplo, graças à regulação e à avaliação de mestrados e doutorados. Foi isso que fez nossa pós ter nível elevado, é o único nível de escolaridade em que falamos de igual para igual com o europeu e o norte-americano, e isso se deve muito à avaliação. No caso do ensino em geral, tem que ter mais avaliação e não menos, para ver onde se está falhando. O Brasil precisa de avaliação séria, porque sem avaliação o setor privado não funciona. O problema é que, se o governo atual enfraquecer as avaliações, ele vai privar os alunos do principal fator que têm para saber se o curso é bom ou não.

Na sua opinião, os governos do PT deram atenção necessária à questão da educação à distância?

A avaliação não foi tão rigorosa quanto deveria ter sido, há uma queixa sobre a má qualidade dos cursos. Acho que teria sido mais bem feito com mais avaliação. Por exemplo, fui presidente da Capes, e lá, quando há um curso de mestrado ou doutorado que é ruim, a Capes fecha e ponto final. Mas é bem mais complicado fechar um curso de graduação ruim, isso permite que sejam fornecidos um ensino e uma formação de má qualidade, isso é um problema.

Notícia publicada no O GLOBO, em 06/11/2019, no endereço eletrônico: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/ead-parte-6-governo-do-pt-nao-avaliou-modalidade-como-deveria-diz-ex-ministro-de-dilma-24054699


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