STF e novos cursos de medicina: uma judicialização necessária

CORREIO BRAZILIENSE • 12 de agosto de 2025

Fonte da Notícia: CORREIO BRAZILIENSE
Data da Publicação original: 09/08/2025
Publicado Originalmente em: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2025/08/7221825-stf-e-novos-cursos-de-medicina-uma-judicializacao-necessaria.html

Janguiê Dinizdiretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e secretário-executivo do Brasil Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular

Nas últimas décadas, o Brasil avançou significativamente em políticas públicas voltadas à formação de profissionais da saúde, mas, paradoxalmente, tem enfrentado entraves burocráticos que limitam a formação médica. Desde a criação do Programa Mais Médicos, em 2013, o Ministério da Educação (MEC) congelou os processos regulares de autorização de novos cursos de medicina, restringindo-os à realização de editais públicos.

O edital mais recente foi publicado em 2023, e a previsão é de que o resultado final seja anunciado com mais de um ano e meio de atraso, em março de 2026. Esse bloqueio prolongado virou a regra vigente no Brasil. Para se ter ideia, desde a moratória decretada pelo MEC em 2018, quando os editais do Mais Médicos foram suspensos por cinco anos, nenhum curso de medicina foi liberado no país pelo órgão do Executivo Federal pela via normal. Até o resultado final do edital vigente, oito anos terão se passado.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem desempenhado um papel estratégico nos últimos anos. A determinação de movimentação regular em processos de autorização de cursos de medicina pela Suprema Corte do país tem representado um alívio diante da dificuldade do Ministério da Educação em cumprir sua função regulatória com eficiência e compromisso social.

Ao determinar o cumprimento do fluxo regular de autorização de cursos que se encontravam há anos represados, o STF demonstra estar seriamente comprometido com a necessidade do país de formar novos médicos. Isso porque, ao contrário do que algumas entidades de classe tentam fazer crer, o país está longe de alcançar a quantidade de profissionais médicos necessários para um atendimento de qualidade à população.

Dados da Demografia Médica 2025, divulgados pelo Ministério da Saúde, indicam vazios assistenciais graves em diversos estados, onde o número de médicos por mil habitantes está muito aquém do ideal. Além disso, o índice nacional de 2,98 médicos por mil habitantes está bem abaixo da média dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), que é 3,70.

Portanto, ao impedir a expansão da oferta formativa, o Ministério da Educação não apenas restringe o acesso à educação superior, como também compromete o futuro da assistência à saúde, especialmente em municípios que poderiam se beneficiar com a interiorização dessa mão de obra especializada. Ciente desse cenário, o STF tem sido um agente fundamental no sentido de mitigar os impactos da carência de médicos no país.

No momento, a Suprema Corte tem dois caminhos por meio dos quais pode seguir fazendo a diferença tanto no sentido de garantir um atendimento médico mais digno e eficiente para os cidadãos brasileiros, quanto de assegurar às instituições privadas de educação superior seus direitos constitucionais à livre iniciativa e à autonomia universitária.

O primeiro diz respeito ao julgamento dos embargos de declaração interpostos à Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 81. Tanto o setor educacional quanto a sociedade civil estão na expectativa de que a decisão inicial seja ampliada. Afinal, repensar o atual processo de liberação de novos cursos de medicina extrapola o campo técnico-jurídico e envolve dimensões sociais, econômicas e sanitárias de grande envergadura.

Em outra frente, os ministros do STF ainda contam com cerca de 60 processos de instituições privadas de educação superior aguardando decisão. São ações que tramitam há algum tempo e por meio das quais a Suprema Corte tem a oportunidade de minimizar essa distorção que vem se arrastando desde 2013.

O que está em jogo é a possibilidade de o país contar com mais profissionais de saúde, equacionando uma grave lacuna que, dia após dia, coloca em risco a vida de brasileiros que não conseguem atendimento médico, especialmente nos equipamentos públicos de saúde e em municípios distantes dos grandes centros urbanos.

O STF tem, mais uma vez, em suas mãos não só a oportunidade de ampliar a oportunidade de novos cursos de medicina, mas também de reafirmar o compromisso constitucional com a educação de qualidade, a descentralização do acesso e a justiça social. Que o guardião da Constituição Cidadã honre seu papel e contribua, novamente, para restabelecer a racionalidade nas políticas públicas de formação médica.


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