Por Paulo Chanan: Vagas remanescentes e o desafio da integridade regulatória no ensino superior

ABRAFI • 20 de agosto de 2025

Fonte da Notícia: ABRAFI
Data da Publicação original: 20/08/2025
Publicado Originalmente em: https://www.abrafi.org.br/

*Por Paulo Chanan

Nos últimos meses, o debate sobre as chamadas “vagas remanescentes” ganhou novo fôlego a partir da publicação da Nota Técnica nº 5/2025 da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres/MEC). Embora o tema possa parecer excessivamente técnico para quem observa de fora, trata-se de um ponto crucial para a qualidade e a credibilidade do ensino superior brasileiro. E é justamente por isso que a Associação Brasileira das Faculdades (ABRAFI) entende ser necessário posicionar-se de forma clara e responsável.

Na prática, as vagas remanescentes correspondem aos espaços que se abrem ao longo do curso em razão de desistências, transferências ou trancamentos. Até aqui, parte das instituições interpretava que poderia realocar essas vagas no processo seletivo do primeiro período, inflando artificialmente o número de ingressantes além do limite originalmente autorizado. Essa manobra, que vinha sendo tolerada, foi agora expressamente proibida pela Seres/MEC. E com razão.

Quando uma instituição recebe autorização para ofertar 100 vagas anuais, por exemplo, esse número não é aleatório. Ele corresponde a um cálculo detalhado que considera infraestrutura física, número de docentes, laboratórios, bibliotecas e, no caso dos cursos da área da saúde, a disponibilidade de leitos e equipamentos públicos de atendimento. Admitir 110 alunos no primeiro semestre, ainda que sob o pretexto de ocupar lugares “sobrando” de períodos seguintes, significa sobrecarregar um sistema que não foi planejado e nem avaliado para suportar tal volume. O resultado é pressão sobre salas de aula, serviços de apoio, recursos humanos e até sobre a experiência formativa dos estudantes.

Isso não significa, porém, que as vagas remanescentes devam ser desperdiçadas. Pelo contrário: defendemos a plena utilização delas, desde que respeitada sua finalidade original. Se um aluno desiste no quinto semestre, é nesse ponto que a vaga deve ser aberta (por meio de editais claros de transferência, reingresso ou ingresso de portadores de diploma). Esse mecanismo, além de legalmente correto, garante a recomposição equilibrada das turmas, sem distorcer a autorização inicial e sobrecarregar etapas sensíveis da formação.

É importante compreender que não estamos diante de uma mera formalidade burocrática. Ao extrapolar o limite de ingressantes, a instituição cria uma cadeia de desequilíbrios que se estende por toda a duração do curso. No caso da Medicina, por exemplo, isso pode significar dezenas de estudantes a mais disputando campos de prática, internatos e residências. A mesma lógica se aplica a outros cursos: mais alunos do que o previsto impactam na utilização de espaços como laboratórios, bibliotecas e até a razão de discentes por professor, fragilizando o projeto pedagógico como um todo.

O posicionamento do MEC, portanto, não é um ato punitivo, mas uma medida de alinhamento regulatório. É a reafirmação de que vagas novas e vagas remanescentes não se confundem. Enquanto as primeiras dependem de autorização formal e refletem a capacidade de ingresso da instituição, as segundas têm caráter corretivo, voltado a manter o equilíbrio das turmas sem expandir o quantitativo anual de calouros.

Do ponto de vista do setor privado, é importante encarar essa definição como uma oportunidade. Regras claras reduzem a insegurança jurídica, evitam interpretações divergentes e contribuem para a construção de um ambiente mais saudável, em que todas as instituições atuam sob as mesmas condições. Aquelas que já operam em conformidade saem fortalecidas, enquanto as demais precisam ajustar seus procedimentos internos para garantir transparência e aderência ao marco regulatório.

Acreditamos que o caminho para a consolidação de um ensino superior robusto passa pelo respeito às normas, pelo planejamento institucional responsável e pela defesa intransigente da qualidade. As vagas remanescentes não podem ser vistas como atalhos para aumentar ingressos, mas como o que de fato são: instrumentos legítimos de gestão acadêmica. Sua correta utilização otimiza recursos da instituição de ensino e oferece novas oportunidades a quem já trilhou parte da jornada universitária.

Dessa forma, asseguramos o equilíbrio entre expansão e qualidade, fortalecendo a confiança da sociedade nas instituições de educação superior e garantindo que cada estudante encontre, de fato, as condições adequadas para aprender e se desenvolver.

*Presidente da Associação Brasileira das Faculdades (ABRAFI)


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