REVISTA ENSINO SUPERIOR • 14 de outubro de 2025
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
Data da Publicação original: 03/10/2025
Publicado Originalmente em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/10/03/desafios-eticos-no-uso-de-ia-em-pesquisa/
O avanço das ferramentas de inteligência artificial (IA) vem mudando o modo como realizamos pesquisas. Após o surgimento do computador pessoal e da internet, aliados imprescindíveis no dia a dia profissional, a IA transforma nossa atividade, trazendo novas possibilidades e desafios.
Propomos uma reflexão sobre o uso da IA na atividade de pesquisa a respeito de alguns dos principais questionamentos que surgem – e com os quais nos deparamos há alguns anos na nossa própria atividade acadêmica. Para que usar a IA na realização de pesquisas acadêmicas? Como usá-la? Quais os limites éticos do seu uso?
As ferramentas de inteligência artificial podem ser usadas em diversas etapas e em tarefas específicas da pesquisa. Desde o planejamento de um projeto até a análise de dados e a escrita em si. O objetivo é que a IA ajude na produtividade e organização da pesquisa. Essa otimização de etapas importantes faz dela um instrumento poderoso ao ampliar a capacidade humana de pesquisa, desde a organização dos dados até a comunicação dos resultados. Em uma perspectiva otimista, seu uso consciente e estratégico pode liberar mais tempo para a criatividade, a análise crítica e a inovação — elementos realizados por humanos que continuam sendo, e sempre serão, imprescindíveis na atividade científica. Mas, em meio aos riscos e possíveis resultados negativos, quais são os limites para o uso ético e responsável?
Desafios éticos devem ser considerados. Para usar essas ferramentas de forma responsável, transparente e crítica, elencamos alguns dos principais pontos de atenção. A IA é mais uma ferramenta – poderosa – de que dispomos para a produção de conhecimento, e não substituta do nosso trabalho acadêmico de pensamento crítico, análise e interpretação.
Riscos de erro e informações falsas
A veracidade e confiabilidade dos dados gerados por ferramentas de IA podem produzir informações imprecisas, sem referências sérias e completamente falsas. Esse fenômeno é chamado de “alucinação”. Portanto, reforçamos a importância de sempre verificar cuidadosamente todas as informações e todos os resultados gerados pela IA, a fim de não comprometer a qualidade e a credibilidade da sua pesquisa.
Originalidade, plágio e autoria
Muito se pergunta sobre a originalidade e autoria de um texto quando ele é gerado parcial ou integralmente por IA. No estágio atual, com suas falhas, não é recomendável utilizar os textos na íntegra, mas sim parcialmente e com uma curadoria e análise crítica feita pelo(a) pesquisador(a). Pode haver falhas de citação ou paráfrases sem a devida atribuição autoral, constituindo plágio (Maranhão et al., 2025, p. 26). Mesmo quando a IA contribui significativamente para a redação da comunicação científica, a ferramenta não é considerada autora por ser uma tarefa que só pode ser executada por humanos. Ainda assim, é fundamental que se mencione o uso dessas ferramentas (Maranhão et al., 2025, p. 29).
Um uso estratégico e criterioso da IA na pesquisa partirá sempre do pressuposto de que se trata de um trabalho acadêmico original do autor, produzido por humano, com atribuição de responsabilidades e citações e referências precisas, com o mesmo rigor metodológico de sempre. Vale lembrar que é responsabilidade nossa nos certificar de que o uso de IA não comprometa a originalidade do trabalho e que já existem no mercado ferramentas que detectam plágio no uso da IA generativa em textos.
Privacidade e proteção de dados
Especialmente em pesquisas com dados sensíveis, é preciso ficar atento(a). O uso da IA em projetos de pesquisa que lidem com esse tipo de informação exige cuidado quanto a sigilo, consentimento informado dos participantes e segurança das informações. Recomenda-se conhecer a fundo a ferramenta de IA a ser utilizada e selecionar criteriosamente aquelas que atendam aos parâmetros de privacidade e proteção de dados.
Vieses dos resultados
A IA pode reforçar preconceitos e vieses existentes, pois são treinadas a partir de bases de dados que refletem a sociedade, carregadas de preconceitos históricos, sociais e culturais. Cabe ao usuário da ferramenta monitorar essas produções, supervisionar, revisar, selecionar e editar seu conteúdo a fim de não reproduzir ou até acentuar essas distorções.
A formação crítica de pesquisadores
Com o avanço tecnológico e a tendência de uso cada vez mais intensivo da IA na atividade de pesquisa, é importante que haja uma adequada formação dos pesquisadores para não corrermos o risco de superficialização do conhecimento. Muitos começam a utilizar essas ferramentas sem antes terem recebido um treinamento ou acessado um código de ética específico sobre IA (Almeida e Nas, 2024, p. 25). Não são prompts que produzem conhecimento, mas sim humanos, com suas habilidades de reflexão crítica, análise e interpretação de dados.
A IA está remodelando a forma como desenvolvemos pesquisa em Direito, oferecendo valiosas possibilidades para lidar com volumes grandes de dados, automatizar tarefas e facilitar a produção de conhecimento científico. Assim como a internet, ela caminha para ser um elemento integrante do dia a dia na academia, algo como o programa de editor de texto que usamos para escrever TCCs, artigos, livros. Embora o programa possua uma ferramenta de revisão ortográfica e gramatical em diversos idiomas, nada substitui o trabalho de um profissional humano para refinar adequadamente a produção de um texto científico.
A integração da IA na atividade de pesquisa pode vir aos poucos, em momentos específicos ou em todas as etapas do projeto. O fato é que ela tem sido uma ferramenta tecnológica de apoio à pesquisa divisora de águas na universidade, com muito potencial por otimizar a produção de conhecimento. Mas, ainda assim, é uma ferramenta cujo uso exige mais do que entusiasmo – requer responsabilidade, pensamento crítico e conhecimento dos limites e implicações éticas.
Assim como em outras revoluções tecnológicas, cabe a nós, pesquisadores e pesquisadoras, aprender a integrar adequadamente essa tecnologia, com rigor metodológico e ética acadêmica. Isso nos tornará ainda mais capazes de responder a questões complexas e urgentes do nosso tempo. Afinal, a pesquisa passa pela colaboração inteligente, estratégica e crítica entre humanos e máquinas.
Referências bibliográficas
GEMINI. Generative AI in Academic Research. Gemini, versão de 29 de abr. de 2025. Inteligência Artificial. Disponível em https://gemini.google.com/app. Acesso em 29 de abr. de 2025.
MARANHÃO, Juliano; PELA, Juliana Krueger; MARINO, Francisco; BATOCCHIO, Amália. Governança de inteligência artificial generativa nas universidades. Relatório da Comissão de Inteligência Artificial Generativa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2024. Disponível em https://direito.usp.br/pca/arquivos/7f3299eb3386_relatorio-iag.pdf. Acesso em 25 de abr. de 2025.
SPINAK, Ernesto. Inteligência Artificial e a comunicação da pesquisa. SciELO em Perspectiva, 2023. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2023/08/30/inteligencia-artificial-e-a-comunicacao-da-pesquisa/. Acesso em 25 de abr. de 2025.
YANG, Maya. Scientists use AI to discover new antibiotic to treat deadly superbug. The Guardian, 23 de maio de 2023. Disponível em https://www.theguardian.com/technology/2023/may/25/artificial-intelligence-antibiotic-deadly-superbug-hospital. Acesso em 10 de maio de 2025.
Por: Marina Feferbaum | 03/10/2025