Por Paulo Chanan: Qualidade Nasce no Polo

ABRAFI • 17 de outubro de 2025

Fonte da Notícia: ABRAFI
Data da Publicação original: 17/10/2025
Publicado Originalmente em: https://www.abrafi.org.br/

*Por Paulo Chanan*

Qualidade nasce no polo

Não existe educação a distância forte sem polos fortes. Essa afirmação, embora elementar, traduz o cerne de uma crise silenciosa que vem se agravando há quase uma década no Brasil. Desde a publicação do Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, que flexibilizou as regras para a criação de polos EAD pelas instituições privadas, o país vive uma explosão no número dessas unidades. Dos 5.656 existentes naquele ano, saltamos para impressionantes 48.388 em 2024, um crescimento de 756%.

Embora o volume de ingressantes e de matrículas em cursos de graduação a distância também tenham crescido de forma expressiva no período (230% e 213%, respectivamente), um aspecto tem sido cada vez mais evidente: a expansão dos polos não se deu de modo sustentável.

Diversos são os fatores que sinalizam esse problema, entre eles a acentuada redução do ticket médio e a “diluição de alunos”, ou seja, a queda progressiva no número de estudantes por polo. Em 2017, cada unidade contava, em média, com 281 estudantes. Em 2024, eram 103. Já as mensalidades médias passaram de R$ 415 para R$ 220, uma redução de 55%.

A conta é simples, mas, no fim, a equação não fecha. Multiplicando o número de alunos matriculados na EAD pelo ticket médio da modalidade, em 2017 a receita bruta média mensal de um polo era de, aproximadamente, R$ 106 mil; em 2024, não passava de R$ 23 mil. Tendo em vista que, em média, apenas cerca de 35% desse montante fica com a unidade, são R$ 8 mil para manter estrutura física, equipe de atendimento, tecnologia, suporte pedagógico e ações de engajamento. Com esse valor, é impossível oferecer qualidade.

Quem acompanha a área sabe que, normalmente, quem faz a educação a distância acontecer não é a sede da instituição, mas o polo. É ali que o estudante busca atendimento, realiza avaliações, recebe apoio tecnológico e acadêmico. A sede serve mais como apoio e suporte aos polos. Assim, é inegável que polos frágeis, mal equipados e sem pessoal qualificado contribuem para queda da qualidade de oferta e os altos índices de evasão do formato. Portanto, não é coincidência que a expansão da quantidade de polos tenha sido acompanhada do crescimento da evasão verificado nos últimos anos.

Trata-se de um círculo vicioso que tem consequências diretas na sustentabilidade da própria educação a distância: a queda de receita e da quantidade de alunos leva à precarização dos polos; polos precários reduzem a qualidade do atendimento; a baixa qualidade alimenta a evasão; a evasão reduz a receita; e assim o círculo se retroalimenta. O resultado é uma EAD cada vez mais vulnerável, dependente de improvisos e distante do seu potencial transformador e inclusivo.

O que no início parecia promissor pela capilaridade e flexibilidade, tornou-se, em muitos casos, inviável economicamente. Diante desse cenário, é essencial repensar a EAD enquanto modelo de negócio. Não se trata de restringir o formato, mas de garantir que ele seja sustentável e de qualidade. Nesse sentido, a redução do número de polos e o aumento do ticket médio se apresentam como medidas necessárias para reequilibrar o sistema.

Ao estabelecer regras mais rígidas para a abertura e o funcionamento dos polos, o marco legal publicado em maio deste ano tem potencial para contribuir com um cenário mais favorável. A ampliação de exigências com foco na estrutura física, tecnológica e humana exigirá mais investimento e, consequentemente, um ticket médio mais alto. Será um movimento de ajuste natural, imposto pela realidade do mercado e pela demanda por qualidade.

Aliado a isso, é certo que os polos também serão beneficiados com a regulamentação do formato semipresencial. Com a expectativa de que uma parcela expressiva das graduações presenciais migre para essa modalidade (com exceção dos cinco cursos cuja oferta permanece restrita ao presencial), esses espaços tendem a assumir um papel ainda mais estratégico, tornando-se parte indissociável da formação acadêmica dos brasileiros.

Contudo, há outro fator decisivo para o fortalecimento dos polos que nenhuma norma, decreto ou portaria é capaz de garantir: a valorização do processo de ensino e aprendizagem. A “guerra de preços” instaurada nos últimos anos ultrapassa o campo da concorrência desleal; ela reduz a educação superior a um produto de baixo custo, muitas vezes esvaziado de sentido e de propósito. Nesse cenário, a EAD deixou de ser percebida como um investimento no futuro para se tornar apenas mais um cumprimento de etapa. Hoje, a educação a distância tem preço, mas precisa ganhar valor. E o abismo conceitual entre essas duas palavras dá a dimensão do desafio imposto ao formato.

A educação a distância foi, e continua sendo, o formato que mais democratizou o acesso ao ensino superior no Brasil. Contudo, o ingresso só faz sentido se vier acompanhado de permanência, aprendizado de qualidade e término da graduação. Para isso, os polos precisam ser protagonistas, não apenas pontos de apoio simbólicos.

Em síntese, defender polos fortes é defender a sobrevivência da própria educação a distância. É reconhecer que qualidade tem custo, que suporte demanda estrutura e que sustentabilidade não se faz com números inflados, mas com resultados consistentes. A expansão foi importante; agora é hora de consolidar a presença e a relevância desses espaços acadêmicos. E isso somente acontecerá quando o país entender que não existe EAD forte sem polo forte.


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