Por Paulo Chanan "Educação Superior: quanto mais cresce, menor fica"

ABRAFI • 07 de novembro de 2025

Fonte da Notícia: ABRAFI
Data da Publicação original: 07/11/2025
Publicado Originalmente em: https://www.abrafi.org.br/

*Por Paulo Chanan

Educação Superior: Quanto mais cresce, menor fica

Seja na comunicação, seja na lógica, à primeira vista o paradoxo tende a nos conduzir por uma situação confusa e desafiadora. Afinal, como uma contradição aparente pode fazer algum sentido? Ao desafiar o senso comum e estimular a reflexão, ele mostra a sua força ao nos obrigar a um raciocínio mais profundo, capaz de nos conduzir a novas reflexões e conclusões.

Não, este não é um texto sobre filosofia ou figuras de linguagem da língua portuguesa, e tampouco seu título paradoxal seja desconectado de propósito. O que as próximas linhas apresentam é uma síntese do grande paradoxo enfrentado pelo setor privado de educação superior na atualidade: o encolhimento do tamanho do mercado de educação superior em contraste com o crescimento de ingressantes e matrículas em cursos de graduação. O que de início pode não fazer sentido, tem uma explicação simples e direta: a escalada da educação a distância (EAD).

Considerando “tamanho do mercado” como sendo os tickets médios pagos multiplicados pelo número de alunos, tem-se um cenário no qual o setor privado de educação superior tem visto a sua grandeza ser reduzida ano após ano. Isso porque o ticket médio da educação a distância, além de, historicamente, ser inferior ao valor cobrado nos cursos presenciais, enfrenta um processo de diminuição ano após ano, gerado por uma guerra de preços instaurada que vem destruindo a percepção de valor da EAD.

Essa dinâmica torna real um fenômeno inquietante: mesmo crescendo em volume de alunos, o mercado de educação superior fica menor em valor de mercado. Objetivamente falando, entre 2017 (ano que marca o início da expansão exponencial do formato a distância) e 2024, o volume de ingressantes nas instituições privadas de educação superior cresceu 68,2%. Contudo, a receita bruta do setor em relação a esse público caiu 27,3%, passando de R$ 27,85 bilhões/ano para R$ 20,24 bilhões/ano. Chega-se a esse número de receita bruta anual multiplicando-se o volume de alunos ingressantes do ensino presencial pelo ticket médio correspondente e o volume de alunos ingressantes da EAD pelo ticket médio da modalidade a distância e, em seguida, soma-se os resultados e multiplica-se por doze.

Seguindo a mesma lógica de cálculo dos ingressantes, quando o cenário analisado é o de matriculados, a situação mostra-se ainda mais crítica. Apesar do crescimento de 30,8% na quantidade de estudantes no período 2017-2024, a receita bruta anual registrou queda de 38,5%: de R$ 72,56 bilhões, em 2017, para R$ 44,65 bilhões, em 2024. Considerando que os cursos a distância seguem sendo responsáveis pela maior parcela dos estudantes nas IES privadas, qualquer análise dos últimos dois anos tende a apontar para a continuidade da redução das receitas anuais do setor.

Essa lógica de crescimento de alunos e diminuição de tamanho de mercado persistirá enquanto se assistir o crescimento da EAD em detrimento da redução do ensino presencial.

Esse cenário exige uma reflexão crítica. Se o setor privado está atendendo mais alunos, é porque o país tem caminhado, ainda que a passos mais lentos que o necessário, rumo à ampliação do acesso à educação superior. No entanto, a redução do tamanho econômico resulta em duas implicações que não podem ser ignoradas por quem faz a gestão das políticas educacionais e nem por quem está na ponta do processo, ou seja, na administração de uma instituição privada de educação superior.

A primeira é estrutural: com menos recursos, as IES têm reduzida sua capacidade para investir em infraestrutura, qualidade, pesquisa, inovação pedagógica, professores e tecnologias. Menor ticket médio, ou mais alunos com mensalidades menores, significa apertar custos ou conviver com margens menores. A segunda é operacional: crescer em números, mas ter a arrecadação reduzida pode comprometer a sustentabilidade, a competitividade, a reputação e até a capacidade de entrega de resultados de excelência.

Fica evidente, portanto, que esse quadro tem consequências não apenas para os balanços das instituições privadas, mas para a educação superior como um todo. Com margens financeiras cada vez mais estreitas, a capacidade do setor privado de gerar impacto educativo, social e econômico pode ficar comprometida. Além disso, há uma questão de narrativa: o crescimento da educação superior tem se dado apenas em relação ao número de estudantes, não se traduzindo em reforço da base econômica do país.

Assim, é preciso repensar a forma como se mede o crescimento da educação superior privada no Brasil. Não basta olhar para o número de alunos. É necessário atentar para a qualidade, para as receitas médias, para as margens operacionais, para o ticket médio, para a sustentabilidade financeira e para a capacidade de entrega daquilo que se espera de uma instituição de ensino superior: formar profissionais aptos, promover inovação e contribuir para o desenvolvimento regional e nacional.

Para isso, é imperativo que as instituições privadas e os formuladores das políticas públicas reflitam com seriedade e, principalmente, ajam para que esse paradoxo no qual o setor está submerso seja superado. Medidas como interiorizar a oferta, democratizar o ensino e elevar a qualidade precisam ser acompanhadas do crescimento do valor agregado, de modernização pedagógica, de investimento em infraestrutura e de recuperação ou manutenção de ticket médio que permita sustentabilidade e qualidade.

Em resumo, não adianta assinar mais contratos de matrícula se o tamanho real do mercado privado de educação superior encolhe ano após ano. Hoje, a dura realidade que se apresenta diante de nós para a educação superior privada brasileira é a de que “quanto mais cresce, menor fica”. E isso não é bom para as instituições e nem para o Brasil. É hora de se refletir e trabalhar para superar este paradoxo que, de fato, é contraditório e em nada dialoga com as necessidades do setor e do país.


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