REVISTA ENSINO SUPERIOR • 26 de novembro de 2025
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
Data da Publicação original: 25/11/2025
Publicado Originalmente em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/11/25/mediador-pedagogico-cerne-do-novo-marco-regulatorio/
O novo marco regulatório do EAD introduziu uma mudança de paradigma no ensino superior brasileiro. Entre as principais inovações está a criação da figura do mediador pedagógico, profissional responsável por acompanhar o estudante em sua trajetória formativa e garantir que a aprendizagem a distância ocorra com qualidade, engajamento e presença pedagógica.
A função, que até então era confundida com a de tutor, assume agora um papel formativo e relacional. O mediador é parte estruturante da experiência de aprendizagem. “É um dos elos da experiência formativa no EAD. Sua função é promover engajamento, pertencimento e aprendizagem significativa”, explica Sara Resende, diretora acadêmica da PUC Minas Virtual.
Para o docente Sérgio Franco, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS), a essência desse novo modelo está na própria ideia de mediação pedagógica. “A mediação é o cerne do processo formativo”, afirma. Inspirando-se em Paulo Freire, ele lembra que “ninguém se educa sozinho, ninguém educa ninguém – as pessoas se educam em comunhão”. Na visão do professor, a educação é, por natureza, uma experiência relacional, que exige confronto de ideias e diálogo constante. “A noção de autodidatismo absoluto é um mito. Aprendemos na relação com os outros, e essa relação é o que sustenta o avanço do conhecimento”, acrescenta.
Da tutoria à mediação pedagógica
Durante anos, a tutoria ocupou um espaço ambíguo no EAD brasileiro, ora com atribuições administrativas, ora pedagógicas. O novo marco busca corrigir essa distorção ao distinguir claramente as duas funções. “O tutor exerce papel de apoio logístico e administrativo. Já o mediador pedagógico interage pedagogicamente com os estudantes, conduz atividades síncronas, oferece devolutivas e colabora com o docente na consolidação das aprendizagens”, detalha Sara.
Sérgio concorda que a mudança era necessária: “O termo tutor se consolidou no Brasil para designar funções meramente administrativas, como orientações sobre matrícula ou frequência. Isso empobreceu o papel pedagógico desses profissionais. Agora, o mediador retoma essa dimensão essencial da docência”.
A reformulação não se resume à nomenclatura, e reflete um redesenho mais profundo do modelo acadêmico do EAD. “É uma mudança estrutural”, afirma Sara. “O mediador traduz a transição de um modelo centrado em tarefas para um ecossistema de aprendizagem colaborativo, com profissionais qualificados e engajados no acompanhamento contínuo do aluno.”
Formação e integração com o corpo docente
Para que a mediação pedagógica aconteça de forma efetiva, é preciso alinhar funções e promover formação contínua. “A mediação é uma função da docência”, ressalta Sérgio Franco. “Quando o professor, por questões de escala ou de estrutura, não consegue acompanhar todos os alunos de perto, o mediador atua como uma extensão desse trabalho, garantindo o vínculo e a interação.”
A colaboração entre mediadores e professores deve ser planejada e integrada desde o início do curso. “O professor é responsável pelo planejamento pedagógico e pela condução da disciplina; o mediador, pela execução cotidiana da mediação e pelo acompanhamento próximo do estudante”, explica Sara. “Essa sintonia nasce do alinhamento entre ambos – reuniões de planejamento, devolutivas compartilhadas e uso conjunto de dados de engajamento são práticas essenciais para evitar sobreposição de funções.”
Na avaliação de Sérgio, a qualidade da mediação depende também da formação acadêmica e do preparo pedagógico dos profissionais. Ele defende que o mediador tenha, no mínimo, especialização e domínio da área em que atua. “[Mesmo em um curso de Nutrição] não posso colocar um nutricionista para mediar uma disciplina de cálculo, por exemplo. É preciso alguém com formação sólida na área. Isso complexifica o modelo, mas é o que garante qualidade”, afirma.
Sara complementa que a excelência na mediação envolve mais do que tecnicismo. “O mediador precisa de empatia, comunicação assertiva, domínio tecnológico e compreensão do projeto pedagógico do curso. É uma função que exige intencionalidade pedagógica e sensibilidade educacional, não apenas acompanhamento de tarefas”, observa.
Desafio institucional e tecnologia
A criação da figura do mediador pedagógico exige que as instituições revejam seus processos internos. “As IES precisarão reestruturar seus sistemas de acompanhamento, de formação e de avaliação docente, integrando mediadores e professores em comunidades de prática”, aponta Sara.
Para Sérgio Franco, o desafio é também trabalhista e estrutural, especialmente nas instituições públicas. “O mediador não pode ser visto como um técnico administrativo. Ele é parte do corpo pedagógico. Precisamos de regras claras para sua contratação e valorização, pois se trata de um papel de docência e não de apoio burocrático”, destaca.
A tecnologia, nesse contexto, é aliada, mas não substituta. “Nada substitui a complexidade humana na formação crítica e analítica dos estudantes”, afirma Sérgio. Ele alerta para os riscos de discursos que associam inteligência artificial à tutoria pedagógica automatizada. “A IA é um processo matemático, não uma relação. Pode apoiar o trabalho docente, mas nunca substituir o vínculo humano que a educação exige.”
Sara concorda: “Os mediadores atuam com base em dados educacionais, mas o olhar humano é insubstituível. São as interações frequentes, personalizadas e acolhedoras que garantem permanência e engajamento”.
“Estamos saindo de um paradigma de tutoria administrativa para um modelo de formação integral, em que a presença pedagógica é contínua e significativa”, resume Sara. Para Sérgio Franco, a síntese é simples, mas poderosa: “Educação é relação humana. E é na relação que o conhecimento se constrói”.
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As atribuições |
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O mediador pedagógico deve ter formação mínima em nível de graduação (preferencialmente com pós-graduação), atuando sob supervisão do professor regente. As atribuições dos mediadores incluem:
Os tutores ficam limitados a atribuições administrativas, com vedação ao exercício da mediação pedagógica. A composição do corpo docente e dos mediadores deve ser compatível com o número de estudantes matriculados vinculados ao polo EAD. Em atividades síncronas mediadas, cada docente ou mediador deve atender no máximo 70 estudantes, com controle de frequência. |
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Saiba +
Para quem deseja se aprofundar no papel do mediador pedagógico, Sara Resende indica o artigo Mediação pedagógica na educação a distância: as pesquisas brasileiras (Freitas e Sousa, Linhas Críticas, 2013), que revisa estudos nacionais sobre o tema e destaca a mediação como elemento central do EAD, articulando pedagogia e tecnologia na construção do conhecimento.
Ela sugere ainda a leitura do texto O papel do docente como mediador pedagógico na educação contemporânea (Gonzales et al., Revista Aracê, 2024), que analisa percepções de professores brasileiros e aponta que, embora reconheçam a importância da mediação, muitos ainda enfrentam desafios de formação e infraestrutura para aplicá-la de forma efetiva.
Sérgio Franco aponta estudos atuais acerca da mediação pedagógica, como os dois títulos editados pela EDIPUCRS, Futuros da educação superior: tendências e cenários em contextos emergentes (MOROSINI, Marília e outros (org.)) e Educação superior e aprendizagem (MOROSINI, Marília e outros (org.)). Além de Aprendizagem em rede na educação a distância: práticas e reflexões (ARAGÓN DE NEVADO, Rosane e outros), da Evangraf.